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Estado de Minas CINEMA

Filme sobre o médium Zé Arigó defende a força do bem contra a intolerância

'Acredito piamente em todas as pessoas que Arigó curou', afirma o ator ateu Danton Melo. Perseguido e preso, mineiro atraiu multidões de doentes a Congonhas


01/09/2022 04:00 - atualizado 01/09/2022 00:13

Ator Danton Melo, com faca, opera o pescoço de homem em cena do filme sobre o médium Zé Arigó
Filme "Predestinado" mostra pessoas na fila para serem operadas por Zé Arigó (Danton Mello), com sua faca enferrujada (foto: André Cherri/divulgação )

''Depois de ler o roteiro, pesquisar, conhecer mais a fundo a história, ler o relatório da comissão de paranormalidade da Nasa que foi a Congonhas para estudá-lo, é difícil ser tão cético. Você realmente fica abalado''

Gustavo Fernandez, cineasta


Zé Arigó é um nome que aguça a memória e a curiosidade de muita gente. Mineiro de Congonhas, pai de sete filhos, ficou conhecido mundialmente por curar por meio de cirurgias espirituais durante as quais incorporava o espírito do Dr. Fritz, suposto médico alemão que cuidava de feridos na 1ª Guerra Mundial.

Arigó, apelido de José Pedro de Freitas (1921-1971), enfrentou dilemas para encarar seu destino. Desagradou à Igreja Católica, foi condenado e preso sob acusação de curandeirismo, atraiu pesquisadores da Nasa a Minas, dispostos a descobrir de onde vinha aquele dom. Morreu em acidente de carro na BR-040, nove meses antes de completar 50 anos.

Parte da vida do médium foi registrada no livro “Arigó e o espírito do Dr. Fritz” (1974), do jornalista John G. Fuller, fonte de inspiração do roteiro de “Predestinado – Arigó e o espírito do Dr. Fritz”, longa-metragem que entra em cartaz nesta quinta-feira (1º/9) nas salas de cinema de todo o país.

O médium Zé Arigó atrás das grades, na cadeia de Conselheiro Lafaiete
Zé Arigó cumpriu sete meses de cadeia, em Conselheiro Lafaiete, condenado por prática ilegal da medicina (foto: Luiz Alfredo/O Cruzeiro/Arquivo EM/1964 )

O médium do 'Fantástico'

Gustavo Fernandez, que estreia na direção de filmes com esta produção, conta que seu conhecimento sobre Arigó vem das memórias de infância, ao ouvir o nome do médium no “Fantástico” e em telejornais.

Em 2014, ao receber o convite do produtor Roberto d’Ávila (Moonshot) para o projeto, Fernandez, com amplo currículo em novelas da Globo, questionou se seria capaz de dirigir o filme. Afinal de contas, criado em família católica – não muito praticante –, ele não dominava o universo espiritualista.

A dúvida permaneceu até poucos meses do início das gravações. Chovia, quando Gustavo sofreu um acidente ao voltar da visita às locações em Minas Gerais. Pouco depois de Juiz de Fora, ele viu quatro, cinco desastres. Na descida da Serra de Petrópolis, havia óleo na pista, o diretor perdeu o controle do carro, bateu com as duas rodas na canaleta e capotou.

“Eu, ateu e agnóstico, quando entrei no carro, botei a mão no volante. A primeira coisa que me veio à cabeça: Arigó morreu em um acidente de carro”, conta. Gustavo despencou por 30 metros do barranco, com o lado do motorista roçando a terra.

“Por sorte, tinha comprado um carro blindado usado. Por isso os vidros não voaram na minha cara. Consegui sair pela porta do passageiro, escalei a montanha até chegar à estrada.” Foi aí que Gustavo se lembrou do fato ocorrido com ele e o ator Domingos Montagner, a quem dirigiu na novela “Velho Chico” (2016).
 
VEJA trailer de "Predestinado":
 
 

Em determinado momento da trama, o personagem de Montagner sofre acidente e é resgatado por índios, que o salvam durante um ritual – verdadeiro, como determinou o diretor artístico. Na época, alguém da equipe, pessoa espiritualizada, alertou  todos para o fato de que não conheciam as forças com as quais estavam lidando.
 
Pouco tempo depois, em 15 de setembro de 2016, Montagner morreu afogado no Rio São Francisco durante a folga das gravações.

“Quando consegui chegar à estrada, a primeira coisa que me veio na cabeça foi o Domingos e a frase ‘eu não conheço com o que estou mexendo’. Decidi não fazer o filme. Aquilo não era para mim, seria desrespeito fazer aquele filme porque sou descrente.” Porém, o senso de responsabilidade falou mais alto. Naquela altura do campeonato, não havia como dizer não.
 

"A gente está precisando desta mensagem de bem, de olhar para o outro. Acho bonito que isso esteja sendo feito no cinema, muito abalado pela pandemia"

Gustavo Fernandez, cineasta

Peregrinação espiritualista

De volta para casa, Gustavo Fernandez iniciou o que considera “uma peregrinação”, conversando com pessoas conhecidas e desconhecidas ligadas à espiritualidade. “Eu só queria era que alguém falasse: ‘Você não pode fazer este filme’. Mas me disseram o contrário: ‘Isso (o acidente) aconteceu para você fazer o filme’.”

Ao ler o roteiro, percebeu que havia ali uma outra intenção. “Revendo o filme agora, dois anos depois de pronto, acho que ele é menos espírita do que eu achava que era”, observa.

Desde o início, Fernandez manteve a intenção de contar a história de um ser humano afetado pelo dom da mediunidade.
 
“Ele tentou renegar esse chamado, mas depois aceitou a missão de atender as pessoas, abrindo mão do lado pessoal”, comenta. Calcula-se que Zé Arigó, com sua famosa faca enferrujada, tenha atendido mais de dois milhões de pessoas. Sem cobrar um centavo.
 
Zé Arigó carregado pelo povo, em Congonhas, ao deixar a prisão, em 1964
Zé Arigó carregado pelo povo, em Congonhas, ao deixar a prisão, em 1964 (foto: Luiz Alfredo/O Cruzeiro/Arquivo EM/1964)


Gustavo reconhece: hoje, o ceticismo diminuiu. “Depois de ler o roteiro, pesquisar, conhecer mais a fundo a história, ler o relatório da comissão de paranormalidade da Nasa que foi a Congonhas para estudá-lo, é difícil ser tão cético. Você realmente fica abalado”, pondera.

Ele diz que houve um motivo para fazer o filme. “Talvez para me reconectar com minha espiritualidade. Acho que foi melhor ele ter sido feito por alguém que não é um seguidor. Talvez eu tenha conseguido transitar melhor na dicotomia entre ser respeitoso à biografia, mas sem ser reverente e submisso ao mito”, avalia.

As filmagens foram concluídas em cinco semanas. Tempo muito curto para um filme que conta uma história como a de Arigó, acredita o cineasta. “Era muito raro ter um dia de filmagem em que não chegasse alguém e falasse: 'Ah, meu pai foi tratado pelo Zé Arigó'. Ou, então, 'minha avó, minha mãe me levou quando era criança, porque eu tinha não sei o quê'. Isso era muito recorrente, impressionante”, comenta.

O médium Zé Arigó opera o olho de mulher em seu centro espírita, em Congonhas
Zé Arigó opera o olho de mulher em seu centro espírita, em Congonhas (foto: O Cruzeiro/Arquivo EM/1967 )

Família apoiou o filme

A presença dos sete filhos do médium reforçou a energia no set. “Em nenhum momento eles questionaram o que a gente estava fazendo. O Sidney (Wenceslau Freitas), o filho que mais teve contato com a equipe, jamais disse não, que não era assim”, afirma.

Certa vez, Gustavo Fernandez acompanhava a cena do julgamento do médium no monitor. “Na hora em que o Arigó é condenado e olha para o juiz com aquele olhar do Fritz, o Sidney estava chegando. Ele falou: 'É o careca, né? Agora ele é o careca' (referindo-se ao espírito do médico)”, conta.

Danton Mello faz o papel de Zé Arigó. O ator tinha poucas referências sobre o médium, a maioria delas vinda dos tempos de infância e adolescência, a partir de histórias contadas pelos primos mais velhos.

A proximidade se deu a partir da construção do personagem, do encontro com os filhos de Arigó, das visitas a Congonhas e do material de pesquisa oferecido pela produção. Foi dessa forma que o ator conheceu a “história tão bonita de amor, caridade, tolerância e generosidade”, nas palavras dele.
 

''Imagina para um pai que questiona a aceitação da missão de ser o elo, a ponte no plano espiritual para ajudar as pessoas, não poder ajudar o filho''

Danton Mello, ator

 

Ator ateu acredita em Arigó

Danton revela que o projeto mexeu muito com ele. O artista mineiro, de 47 anos, vem de família católica, mas ao longo da adolescência foi se afastando da religião até se considerar ateu. “Acredito piamente em todas as pessoas que Arigó curou. Ninguém consegue explicar este fenômeno que ajudou tanta gente.”

O ator chegou até a pedir a ajuda de Arigó na sequência rodada no presídio desativado da cidade mineira de Rio Novo. “Estava sozinho dentro da cela, todos da equipe do lado de fora. Senti uma energia muito pesada; afinal, era um presídio. Disse para mim que não pediria para sair dali nem para não fazer a cena, mas pedi a Arigó que me protegesse se ele estivesse por perto.”

A cena que mais emocionou Danton é o momento em que Arigó diz ao filho mais velho, Tarcísio, que não pode curá-lo. “Imagina para um pai que questiona a aceitação da missão de ser o elo, a ponte no plano espiritual para ajudar as pessoas, não poder ajudar o filho.”

Juliana Paes, com quem Gustavo Fernandez havia trabalhado em duas novelas, interpreta Arlete, a mulher de Arigó. A atriz vem de família espírita. “Ela teve iniciação na umbanda. Inclusive, topou fazer o filme por conta disso. Juliana havia acabado de fazer 'A força do querer' e ia começar uma outra coisa, mas conseguiu se encaixar. Ela queria muito fazer o filme, queria muito fazer a personagem”, conta o diretor.
 
Na rua, pessoas fazem fila para receberdonativo de Natal do médium José Arigó, em 1964
Prisão não impediu José Arigó de distribuir donativos, no Natal, à população carente de Conselheiro Lafaiete, em 1964 (foto: José Nicolau/O Cruzeiro/EM/1964)
 

Esperança na tela

Neste momento delicado no Brasil, em que a religião é motivo de intolerância, violência e perseguição, o cineasta Gustavo diz ter a esperança de que o filme venha mais para unir do que para polemizar.
 
“Realmente, nossa intenção é contar a história desta figura extraordinária, que abriu mão de sua vida em prol dos outros. Essa é a característica dos grandes líderes. O filme não é doutrinário, pelo contrário, foge dessa pretensão justamente para não criar pé atrás em relação ao processo. A minha crença sincera é de que o filme ajude a aparar essas divergências.”

De acordo com o cineasta, até a longa espera pela estreia do filme nas salas de cinema tem o seu motivo.
“Ele veio na hora certa. A gente está precisando desta mensagem de bem, de olhar para o outro. Acho bonito que isso esteja sendo feito no cinema, muito abalado pela pandemia. Espero que para além da religião, para além da política, o filme resgate um pouco do aspecto cultural de assistir coletivamente a uma obra de arte”, conclui.

“PREDESTINADO: ARIGÓ E O ESPIRITO DO DR. FRITZ”

Cinebiografia do médium mineiro Zé Arigó, que assombrou o mundo com curas atribuídas ao espírito do suposto médico alemão Dr. Fritz. Direção de Gustavo Fernandez. Com Danton Mello, Juliana Paes, Alexandre Borges, Marco Ricca, Cássio Gabus Mendes e Marcos Caruso. Estreia nesta quinta-feira (1º/9). BH 6: 14h, 16h35, 19h10 e 21h45 (qui, sex, seg, ter, quar); 13h40, 16h20, 19h, 21h40 (sáb e dom). BH 10: 18h10 (qui, sex e ter); 18h20 (sáb, dom). Diamond 2: 15h10 (qui, sex, sáb, seg, ter); 13h40 (dom); 13h10, 15h50, 18h30 (qua). Diamond 3: 19h30 (qui, sex, sáb, dom, ter). Diamond 6: 17h50 (qui, sex, sáb, seg, ter); 17h30 (dom). Cidade 2: 13h50, 16h10, 18h30, 20h45 (qui, sex, sáb, seg, ter). Contagem 2: 14h, 16h15,18h30, 20h45. DelRey 5: 14h20, 16h35, 18h50, 21h. ItauPower 2: 14h10, 16h25, 18h35, 20h50. Minas 2: 14h10, 16h25, 18h35, 20h50. Ponteio 2: 16h45, 19h, 21h10 (qui, sex, sáb, som, seg, quar); 14h30, 16h45, 19h (ter).







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