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DEDALUS - Acervo - FFLCH NOTA 20900019766 VICTOR DELBOS 0 ESPINOSISMO Curso proferido na Sorbonne em 1912-1913 Tradugio de Homero Silveira Santiago ‘SBD-FFLCH-USP 260428 Aisedtso editorial OO OO OO Aa4.442, Aas? © +tdy 2002 ross nsgns tents tiptoe Cove pepnic tebe 2 912 Proc rene edtragt Lops rast ‘apa: Ci engi isciss0 eivorial SUMARIO APRESENTAGKO 7 ADVERTENCIA DO TRADUTOR 15 Rotoco 7 Pace i¢K0 AS CONDICOES GERAIS DO EsTUDO DO EsMNOSEMO 19 SEGUNDA LIGKO ‘AENPRESS{O PRIVEIRA Do PRINrINO DA UNIDADE DE SUBSTANCLA EM ESPINOSA TERCERA L1GK0 ‘AJUSTINCAGO RACIONAL _DO PRINCIMIO D4 UNIDADE DE SuBSTANCIA quar igh quinta gio SETA LIGKO seria ti¢ko ‘ormava Licko NONA LCKO 25 33 st a 3 aI 95 115 AS Pes MMANAS ASO TA AMA DECIMA PRIMEIRA LIGSO a AS AEEORS HUSA nD DA DDfCIMA SEGUNDA LIGKO |AVIDA ETERNA — CONCIESHO anenpice 1 ComPosigAo KPUBLICAGKO |APENDICE ; BENTO DE ESPINOSA: UMA LIGKO DE VICTOR DELBOS ESPINOSA EM PORTUGUES: LUM ESBOGO DE BIBLIOGRAFA 29 ui 159 7 213 ai 5 APRESENTAGAO Este lito de Victor Delos, originalmente um curso sobre a flosofia de Espinosa ministado aa Sosboone coy 1912-1913, foi publicado pela primeira ver na Franca oe 1916, pasando, desde ento, a er edges perddicn, por tomows uma refrénciaindigpensivel pan intode 4 Slosofia expinosna,Temos agl um estado da Bice no eal Prevalecem clirezaesimplicidade numa eyosicio covets Precsa que cond pela mio olor pel citinto do ops ‘magia de Espinosa Para letores dos das de hoje, separados por um século de distincia da primeira verso desta obra ola sender derado muito si, mas no lhe causa impacto ebrce to entanta, pode-e dizer que le inaugura, na rang, oso tudos da flosofia de Espinosa enquanto obra autOnama dc tua de sentido em si mesma. Aré enti, Espinosa havi so lid por Blsotos que o interpretavam segundo asides de Aus propria loots e dels o exclu ou nel o incor Positiva ou negatvamente, segundo sua proxinidade see toca das concepgdes dos proprio lens Nocaso da Fang um enio de Paul Janet, “Lespino- tisme em France’, pubicado em 1882 (xinte anos anes do {to de Delbos), depois de svar as interpretgtes ance Jurca flosofia de Espinosa dee o século XVII eta pen, 8 Manisa Cuaut ‘qimplicita no materialsmo da Hlstragio, explca que, no Sculo XIX, afora a acitago de alguns principios do espino- sismo pela escola de Saint-Simon eo elogio de Espinosa por Renan, numa conferéncia de 1877, a primeira interpretaga0 posiiva dessa flosofiahavia sido feta pla escola de Victor Cousin que, inspirado no idelismo e no romantismo ale- ines, expusera 0 espinosizmo como um panteismo, mostran- do que ndo & um atefsmo, Apesar de reservas sobre alguns pontos da doutrina, Cousin Ivara 0 pensamento do fildsofo das acusagbes odiosas cimerecdas que lhe fariam, alm de evidenciar que ese pensamento no era obscuro ¢ impene- twdvel como sempre se dssera. Com a taduio francesa das ‘obras de Espinosa por um membro da esola de Cousin, Emi- le Saise, 0 fldsofo foi dado a sr ldo por todo mundo. (O inceressante, porém, &aconclusio de Janet sobre a presenga de Espinosa no pensamento francés: “a indole (le génie) de Espinosa nto & muito idaptada & natureza do exprito francés. A Fran- (ot nde é istic, Ela ama as idias nts bem tdelimitadas, Ela tem wom vio sentimento do bo- mem e da Inumanidade, ¢ nunca se consentard ‘muito com uma filosofia gue absorve demas 0 hhomem no grande todo. Se 0 expinossmo se ali= ‘mavar & Frans, serd modificando-se conside avelmente (.) At partes nobres ¢ verdadeira- ‘mente superiors do expinesimo sto aquelas que tom epiritualiona exlarecido pode deve apro- priarse, deisanda apenas as menores para 0s ‘advertries, Expinoafiaria, asim, dividido em duas metade, uma das quais teria rclamada pee los filbos de Descartes e a outra, pelos filbos de Diderot." snnesexTacho 9 Eseas consideragbes soam estranhas para um jover lei- tor do século XI, para quem o fendmeno econdmicoe poll ‘ico da mundializagio parece ter sido sempre a ordem natu- ral das coisas e por isso mio supde que as flosofias exprimam ‘0 “espiito da nacio” ou o “espirito do pova”. Essa suposigio, rho entanto, era poderosa e um principio interpretativo da producio culrural na “épaca das nagbes” e dos nacionalismos, Eis por que, quando lemos os estudos franceses de histria da filosofia, xcrtos entee o inal do XIX e o inicio do XX, um dos temas mais feqilentes é a determinagio das caracterst- cas essenciais da filosofia francesa e sua diferenca sobretudo com relasto i filosofia alema (entenda-se, Kant e Hegel). Essa atitude reerudesce e chega a0 nacionalismo apaixonado (em alguns, beira a xenofobia) com a guerra de 1914-1918. Nessa atmosfera, em 1915, a iniciar seu curso anual na Sorbonne, Delbos airmou: “Bstudando os elementos origins da Filosofia Francesa, gosaria de mossar em que a Franca revelow-se nas suas mancinas de flesofr, assim como em suas doutrinas,independensemente dt inflate ingen ealema."? ‘Dessa maneira, podemos compreender por que, na tri- Ika da escola de Cousin, a primeira obra de Delbos sobre Es: ppinosa - 0 problema moral na filsofia de Expinoss na histria do espinosismo (1893) ~ dedicou-se a acompanhar a interpre- " Paul Janet, “Le spinozime en France’, in S. Dou, R. P Doi, Veemeren (orgs) Philwophie. Bunce XIX Sle Er opens, Le lite de poche, Pais, 1994, p. 370-1 2 Victor Delos, cto por Maurice Blondel in “Avetsement” a Vicoe Delbos, La pilauphie fis, Pon, Pars 1921, pL 10 Mantes Cxaut tagio alema do espinosismo tendo como horizonte a filosofia pritica kanciana par, alguns anos depos, distanci-lo def- nitvae totalmente do pensamento alemio: O epinatismo co- loca Espinosa entre os flhos de Descartes (até que, nos anos 1960, Louis Althusser 0 reivindique como heranga dos “f- lhos de Diderot”) Esse aspecto do nacionalismo francés do period, em- bora nao negligencfvel (uma ver que interpreta Espinosa pi- ‘mordialmente como um cartesiano), nio é codavia, o mais ‘importance deste lvro de Delbos. De fato, com ele, podemos dizer que einieia na Frangao que hoje entendemos por his- ‘ria Francesa da filosofa, nacionalismos & pare. De fato, qual € 0 ambient filoséfico no qual Delbos escreve O epinasisma? Grosso modo, quatro atitudes acerca da histria da f- losofia prevalecem no periodo: 6 ecletismo da escola de Victor Cousin, que exclui a nogio mesma de histria da flosofia porque a recusr o legadoale- :ndo da flosofia da histri,recusa também considera sf losofias numa histrias ‘ hegelianismo, que impée uma lei imanente de continui- dade entre as filosofias cuja singulardade é menos televante do que sua pers como um momento necessirio do desenvolvimento do expirto absolute; © cientificismo em suas véras formas (naturalism, psicolo- ¢gismo, hstoricismo), que pretende reconstituira verdade ob- jetiva de uma filosofia tomando-a como um fat cuja causas no flosficasprecsam ser encontradas, isto é, a verdade de uma filosofia encontra-se em sua génese externa ¢ interna. Disso resulta a peculiaridade dessa hist6ria da Filosofia: € um histécia de conceitos e nfo de doutrnas, ede aspectos parciais das filosofias, nos quais se possam determinar encadeamen- tos caustis ou continuidades tempor Arnusextacio " “o bergsonismo, isto 6, a afirmacio de que uma filosofia se reduz §“ineuigio original” do igsofo, que pasou a vida a expi-la sem éxito, pois a exposigdo esti fadada 20 fracasso tama ver que 0 trabalho da incelignciae esta, porque opera ‘om conceitosfragmentados, jamais alcanga @ unidade ea simplicidade plena da ineuigio. Bergson dizia que, fossem uals fossem as condigses externas nas quais a flosofia de Espinosa foi construe, o espinosismo no dependeu delas¢ cxntiia onde quer que fosse e em que tempo fase, desde que ext Enna com nino cig bos escreve O espnesiomo combatendo essas pos- 62s. Combate o cea, que cn losfs sem com. ‘das em suas singularidades diferenga ce6rces; combate 0 hegelianismo (ou aflosofia da hissra “alemi"), que perd a autonomia de cada flosofia singular, excluindo tudo quanto nesta sejaobstéculo sua reducio a um momento do desen- ‘olvimento do absoluto; combate o cientificismo, que reduz uma filosofia is condigoes de sua génese, a qualidade ince na psicoldgica e 3 causalidade externa ou is condigSessocais 4 influéncias tebrica sofridas por um ilésof dspersando seu pensamentonessas tia casas; combate obergsonismo porque a intuigio original, embora,diga Delbos, sea um ele. ‘mento inredutivel, ndo € contudo suficiente para dar conta de uma filosofiae de seus modos de expresso, Nao recusa, porém, essas atitudes, desde que se limitem ’ condigao de auxiliares do crabalho do historiador. Nao sio elas que o de- ferminam, apenas ajudam o histriador a defini seu campo de investigagio eaproximar-se da filosofiaestudada ~ si pre- Timinares que poderio reduairse, depois, a notas de rodape (0 sequerserem mencionadas durante aandlise eo comenti- rio de ume flosofia, Sua posisao,inauguradora do que, nas mios de Emile Brehier, Martial Guéroulte Vicror Goldschmidt vita a ser 2 Manicena Cuavt conhecido como “histéria estrurural da filosofia’, & apresen- tada na Primeira Ligso do cusso sobre 0 espinosismo, dedi- cada is “Condigdes gerais do estudo do espinosismo”, que 0 Ikitor encontrar logo a seguir. Desa lig, destacaremos aqui ‘6 momento no qual, insurgindo-se contra as quatro atitudes acima mencionadas, Delbos escreve: “Pi orton do x ini met i lade ue dicepree lindo ma deen ved Bb teapot ads 40 (Gnade de Epis como boom cosine om Sri pownld com ua eg poi, et rigialadecomefilecot on efie dahon concn: ead coma ova cela 01 momo mires prea O epintine cont- ive pe mente oct eal fered) depo di ‘ec pense opt and doe sr comoving eco tal Aandi do tcradisins ora de geo epinsino de seule ripen wn preiment per {Tefa, decninie snipe diet ti pstiva como an pin la, Pre tense ficient som seguir degen 5 progr denied eine pinione Csenes prelim de oda es inflaoncias.” sas crtcasdeterminam orablho aserreaizado pelo historiador da flosofiae pelo comentador de Espinosa Delos explica que, embora a filosofia de Espinosa eseja ex posta em obras anteriores eposterores& Erica, as quais per Iniram acompankaro desenvolvimento e a8 mudangas de | snnssexraco 13 seu pensamento, bem como as condigGes histériease psico- [igicas de sua doutrina, O expinasimo seri o estudo apenas dlacobra magna, pois nelao estencial da doutrina esti exposto: “Nossa inten & instr principalmente no cfr de cottage de cordon emi pelo qual Espinosa tenton igual a evidincia Inteleeual de wa dowerina a poréncia di ida Prafonda que anima () Sem nes denorar- ‘mote conjctaras sobre a gneiss on pu coligica da doutrina, gonariamos rbretudo de mostrar que foi omatbalho propriament fle fio de pensareta de Eins (.)E exclusiva ‘ence ao ictema da Erica que nor termes, mas pan explo, tanta quanto na for posto pelo ‘metodo eno eprita gue acabamos de indican” Essa Primera lgio é um manifesto ¢ a pedra funda- ‘mental da nova hiséra da Filosofia francesa como esto Jmanente das doutrinas: mais alguns anos, os dscipulos de Delbos dito que uma filosofia uma cera estrutura’ (0 que 0 seu professor chamara de stems) e que 0 istriador deve ‘ocupar-se com o tempo légicoe Zo com o tempo histérico da doutrna (ou 0 que o seu professor charnava de geese pie coligica ¢ bisrica)*. Inaugurase 0 que ficatia conhecido 9 Desa deciso, sarge na Fang discussio que ocupaé os histovaderes Aa flosoia, nos ano 196, into dems: gnes hittin ou extra ‘22 Nio por senso, quando o edo de Hoge ret intensamente Pos unhersiros frances, Jean Hyppobte intl seu esto sone 4 enomenolgis do Eero com o nome de "Génese cect da Fenomenologi do Espira de Hegel” sxe poquena“”contido no tl indica una comada depois lenis no date em que “ Manitssa Chavt mira exposiggo conhecida da Etiea nela mesma e pot cla corre desta Apresentagio) e que por iso é um texto de com- pe et eae ee es ee re ee et Marilena Chaui Universidade de Sao Paulo, fevereiro de 2002. ADVERTENCIA DO TRADUTOR Dalbos cita as obras Espinosa a partir da edigio de Vloten & Land, a mais completa 3 época do curso. Faz mui to esgotada, hoje quase inacesivel, esta edigdo fi hd tempos Aefinitivamentesubstituida pela de Carl Gebhardt Spindea Opera, Heidelbergue, Carl Winters Universitetbuchhand- lung, 1925, 4 vols reed.1972,); raxio por que nos pareceu Ai ajuncar is referencias dadas por Delbos também as emis- Aes & paginacto da ed. Gebhard, geralmente mencionada fos estudos e tradugbes. Assim, a cada referencia is pginas ddaed. Vloten & Land, 0 leitor encontrard também a emis. io ed. Gebhardt (abreviada “G” cseguido de volume pi- Bina); isto salvo no que concerne 20 Tratado da emenda' do Intelecto, cm que reenviamos 3 paragrafacio de Bruder, en- ontrada em quase todas as edigbes do texto, ¢ 20 Breve maua- io, referido sempre a partir da cradusdo francesa de C. “Appuhn, e ndo pea ed. Vloten & Land; neste dtimo caso, @ Tkitor poders se guar peas indicagies de parte ecapituls, Para substi as ctagées frances do auto, servimo- fos amplamente de aguas tadugesespnosanasexisten- fesentrens, vez por outa apenas fazendo slg suse af de melhor acomods-la ao corrente do texto Sempre qu por s(velremetemes is eadugdes conidasno volume Expitona da col. “Os Pensadores” (2* ed., 1979, abreviada “Pens.”) ou Alo Trntado eligi poltico por Diogo Pires Audio (rte 16 Howeno Sivsina Saxriaco téncia completa na biblografia final) Tradugées de outros au- ‘ores, quando utilizaas,sioindicadas em rodapé. Fomos cautelosos na transposigio para o portugues do vvocabulitio conceital espinosano em francés utilzado po Dalbos. Em geral, adotamos as ligbes das tradugdes acima ‘mencionadss, mas nem sempre isso foi possvel. Assim, por exemplo,abrimos mio do par afep, aft, cadugao comum para lati affcti,affetus,epreferimos acompanhar as 0p- Bes francesas de Delbos para aqueles teemos latinos (mor- mene affection ¢ pasion) ‘A tradugio baseou-se sobre um exemplar da pi cedigio do livra: Le Spinesiome, Pars, Soceté francaise d'Tpei- smetie et de Librairie, 1916. Algumas corregSes foram feta, nosanas tena envelhecido muito; por iso, sem expo de cxsustvidade, permit aque dessem conta do estado presente do corpus espinosano. PROLOGO Deinci aparece vérias destas ligbes sobre 0 espinosis- ‘mo na Revue des Cours et Conferences pedido de su ditetor, ‘meu colega ¢ amigo Sr Fortunat Strowski. Pareceu-me, des: de entio, que no tinha mais razdes para recusat-me a publi ar inteiramente o curso. O.que acabou por me fazer decidir pela publicacio é a impossbildade que tive até o momento de reditar, com as necessirias modificagBes, meu livo sobre Le probleme moral dans la philoophie de Spinoza et dans UHiswore du Spinocione, de bi muito esgorado.! Minhas li- _gGes nao tinham a intenglo de considerar o pensimento es- “piinosano em sua toraidade sob o mesmo%aspecto que mett io, mas era impossivel que elas nfo reencontrassem, mes- o Sem assinali-las, as interpretagdes de outrora. Taveras ligées tenham confirmado, em certos pontos, ts interpreta- _es; em outros, completaram-nas; em outros, ainda, delibe- sadamente retifiearam-nas, ‘A redagio deste curso suprimin as formas de linguagem «€ todos os desenvolvimentos acessérios comportados pelo ‘ensino publica; em compensagio, muleiplicou mais do que tal ensino permite as indicagées de textos ¢ a referencias _precsas. "Ba obra tev da edges recente: Hildeseim, Georg Oks, 1988 (csi) Paria, Prones Universities de Pris Sorbonne, 1996, ol ‘Tiavaur et documents du Groupe derechrche spinster: (NT) PRIMEIRA LICAO 5 f CONDIGOES GERAIS DO ESTUDO DO ESPINOSISMO om thor maneita possvel,abragar todo seu sentido? ‘A principal obra de Espinosa, a Fea, éescrita 8 ma- comet; afeta assim, até por sua forma de nada sustentar que ents evidence ou demonstrativamencsestabelecdo. O jor nao seria ent trata de seguir série regular das pro- se das provas, como se nos dedicissemos a compre- ‘um tatado de geometria? Porém, sem afiemar ou insinuar que o aparelho mate- ico em Espinosa tenha simplesmenteincervindo de fora dese perguntar entretamto se as definigbes que abrem a ce que se referem cata dei, subtdncia, a atributo, modo, a Deus, sto ineligveis para nds como o sia as dei- sori iis Esta pl el simple seu conteido, seja por causa do apela i wef poder ser apreenlias sem cifculdade em coda cago, a0 paso que as defingses pelas quai inicia a Frise spdem por detrés delas, sob sua aparence simplicidade, umm esforgo de elaboracio téenica, omam de empeéstino a ori de seus elementos aconceitos ornecidos edesenvol- “ De que forma convém aborts cspinosimo para, da 2» Vicron Ditnos vidos pels filosofia anteriores, , mais que pontos de part- da, sio pontos de chegada. “Aderais, qualquer que sjaa orga do clo Iigio que encadeia as sucesivas proposigbs da Brice, €incontestivel {que objeto desis proposicBes sé pode ser entendido em re ligdo a um certo estado das questées flos6fcas. Mostrar que Deus 2 substincia dina ou que ndo hf vontae live &es- ponder de uma cera maneiraa problemas anteriormente pos- {os €cujas solugbes anteriores, e 56 elas, permitem marcar 0 Sentido eo alcance das solusesespinosanas. Uma interpre- tagio eta e completa da flosofa de Espinosa nose poderia Alspensr de um conhecimento dos dversosipos de relagbes ‘existentes — relagdes de derivagio, oposicio, transformacio, ‘combinagio ~ entre os conceitos fandamentas da Frcae 0s onceitos das filosofa precedentes. TEnfim,€ necesiro no somentereclocar oespinosis smo na hstiaefzé-lo entrar na sucesso das doutrinas;am~ ‘bém é preciso lembrar quais preocupagBes essencais deter- rminaram em su autor a necesidade de formlo. Ora, se 0 problema que anes de todos Descartes se coloca€ 0 proble- sna da certera na ciéncia,o problema que ants de rodos Es- pinosa se coloca€0 problema da sadde da alma, da vedadei- fr liberdade ¢ da beattude. Os termos desse problema e a solugio 8 qual ele tende dominam a ordem, puramente xpe- taltiva na apartncia, da demonstrago objetiva Por essa via somos levados a considera a vida ea per- sonaidade de Espinosa, a evoca circunstincias que Ihe fxa- ram como tarefia live pesquisa de uma regra de conduta, a naisaro seu jez e as dntimasrelages nee cravadas ence a iviosidade intelectual ea necessidade de conquisar a pleni- tude de sua existénciae realizar a perfeicfo de seu destino. Tor essa via ainda também podemos compreender como, para produit o sistema da Etce, a ran weve decom- ramen gs binar-se com o sentimentoreligioso profundo que sobrevive- rina alma de Espinosa a0 reptidio de sua fé primeira e Ihe fizera desejar ou accitar © contato com cert seta crsts. Nilo €o problema puramente moral que Espinosa se poe; ele Ilo se perguncow simplesmente: Que devo fixer? Mas: Que devo fazer para estar certo de sr felie! Mais precisamente ai ida, na maneira como ele entende a felicidade ou o bem a ser obtido, é preciso introduziaidéia daquilo ques conscitncia Ieligosa chama de slvacao. Ora, esa idéia representa o des- tino do homem como uma alternativa entre a morte eterna e Atyida eterna; ela envolve a conviegio de que, para a obra do fhovo nascimento, é preciso mais que a virtud islada do es- forgo individual, mas antes de tudo uma cooperasio da Po- lncia ou Realdade infiniea& qual estamos imediatamente lunidos. A salvacio esta no amor de Deus, na unit imediata indisolivel da alma com Deus, de tal forma que el nada lima sengo nele e por ele. Essa afirmagio se eproduz cons- “nptemence através de toda a obra de Espinosa, Sb queo elo que a liga & posigao do problema é de um ‘ipo diferente daquelefornecido pela Relgio, judaica ou crs- 1 O valor ¢ a eficicia soberanos clo amor de Deus nio de- idem da auroridade de uma evelagio ede um mandamen- entero; eles nos sio manifestos ¢ asegurados por um. recimento racional. Ora, esse conhecimento racional es- lee, segundo Espinosa, uma coincidéncia perfita entre ato pelo qual amamos Deus e a operagéo pela qual Deus produ2, nfo como seres independentes, mas como mo- de sua subseincia. A nio ser uma metafisica pantesta de enti justificar o que foi aceito como a verdadeira solu jo do problema: merafisica cuja tema essencil, antes dese savolver logicamente, sem divida se imps a Espinosa como tuma espécie de intuigioe, em seguida, buscou os meios ‘ordenar-se e tomnat-se evidente 2 Victor Diino basa porém discern a nego primeita de que tal metaiica€expresto ou produto para declarar que la € um fitoriredaivel eauflente do pensimento de Espinosa; pois, por um lado, esa intuiggo & menos simples do que se Eire pocede alm do mais de antecedents histricos eros por out lado, sa originaldade de Espinosa como homer Eonsse em tela possuido com ums energa partculat, sua ‘tiginaldade como flo consiste em ta Fxado em con- tits acores com a nova céncia ou mesmo sugeridos por th, expinosismo constitute e ag mediante a organiza- Gi intlecrual ques de. ssa organiza intelectual deve-einicialmente, sem dhivida Descartes tale sj preciso antes de cudo,quan- do se pesquisa de quai influncias erue-se a doutina da ‘aca, comegar por confront-la com o cartsianismo. Mas também ¢ precio guardarse de crerque 0 caresianismo se tenn fet espinosimo por uma sore de ga ial no ws0 gue fre na apropringio de elementos catesianos que ope- ‘ou, Espinosa rouxe um pensimento especiiamente dif reme do de Descartes, vers até niidamente oposta a0 de Descartes ‘A influéncia de Descartes é preciso acrescentar a influ- cia da literatura jucaica da Ldade Média, losin eexege- tien eaté mesmo, em crea medida, a nunca da Cabal a influncia também do neoplatonismo pantesae naturals dlo Renaeimento a inflaénca,enfm, de cercos escolisticos recenes que ofereciam defniieseexplicagées de concetas tos quas a merafiscacaresiana pouco ou nada se refer. Certamente & deicado desenredar esas mips in- Aluéncias, que no se exerceram do mesmo modo etiveram efeitos muito desiguis; port, buscando ellos, podemos aa marcar melhor o ugar do expinosismn no desenvol- Be ae can eet aoe reietna axgio. 23 ete ui der oo qu conseguir mane sedeve pr de vista que esse pensamento se propés antes de tudo a (str como sistema e que exist como tal, A anise dos va thadissimos faores de que o espinosismo poe resulcar seria apenas um procedimento superficial e filo, io conttirio&s ‘ondigGes da investigacio positiva como ao esplrito filos6f- 0, caso se pretendesse suficiente, sem seguir os degraus eos progressos da unidade racional que o espinosismo esforsou- ‘epor realizar para alm de todas esis inlugncias [Nas lies que comporio este curso no temos a it ‘to, longe disso, de execurar todo esse programa de um estu- Alo do espinosismo, Nossa intengio ¢ insist principalmente Ino esforgo de construcio e de eoordenacio siscemitica pelo val Espinosa rencou jgualar a evidéncia intelectual de sua lourina & poténcia da idéia profunda que a animava. Nio Iplerenotoprocelimento que vi pri ossema cm amo, como se desenvolvendo por si mesmo em viruude da, orga logica de certos conceitos. Mas evitemos igualmente ‘ransformé-lo em simples elementos de acasito, disposigaes Dessoais,frmulas emprestadas ou atranjadas, de que osiste- fa nfo seria sob um aparelho rigoroso, mais que a reunio Artificial. Sem nos demorarmos em conjecturas sobre a géne- “fe historia ou psicolbgica da doutrina, gostarfamos sobreta- do de mostrar 0 que foi o tabalho propriamente filoséfico ido pensamento de Espinosa, quais foram suas principaisfa- “3, por quaisasimilagses, por quaisexclusdes, po quasin- ‘vengGes ele chegou & douttina da Erica. Muito nos servie- “os para este fim do Breve metado, pois sea doutrina em seus Iagos essencinis aj aparece formada, esti bem longe de en- omtrar-seacabada; ainda tem muito a conquistar em clareza, tigor analtico, poder de compreensio, inclusive em coerén- a. Por essa impereigdes mesmas, 0 Breve matedo, melhot m4 Victor Dinos ue a Bia, pe a descoberto @ nicleo de concepgdes pri- Fitivas que ed no cer da organiza do sitem. Ape- Sentnde-nos esa organizao em viros pontos num estado ddeeabogo le nos permite melhor presomir de que materia tla parca e que ligagSes jf opera: por outro lado, ele nos fomece, para avaliar os progress ulteriores dessa onganiza- ‘gio rumo ao sistema tal como exposto na Ftica, um termo de Mrtzat quant ese destgnio os ince dese curso for arose a dear de ado a obra de Espinosa o que fi sim- Flesmence aplicasio ou acomodaco, a sabe, sua doutina politica e sua doutina sobre as relabes entre a ilosofia ea fé, E exclusivamente ao sistema da as que a ney tas para exlicilo, anto quanto nos fr posse, pelo mé- tide no expt que acabamos de indicat SEGUNDA LIGAO A EXPRESSAO PRIMEIRA DO PRINCIPIO DA UNIDADE DE SUBSTANCIA EM ESPINOSA A primeira parte da Hsia contém, entee outa, duas proposisées que representam eminentemente a doutrina de Espinosa sobre Deus, Primero, a proposigao XW: Prater Dew nulla dari neque concipi potes substantia. *Afora Deus, nao pode ser dada nem ser concebida nenhuma substancia.” Em seguida, a proposigio xm: Deus ext onium rerum causa Jmanens, non vero wransins. “Deus & causa imanente de to- das as coisas, € no causa transitiva.” E esta tiltima proposi- fo demonstrada por uma dupa referéncia, uma direta, outa indireta, & proposigéo Xv; a significagio dos dois er- mos que ela empregs, causa imanene, causa tansitva, defi- rida e transmits pela esolistica, eomada de empréstimo por Espinosa, sabemos, a um escoléstico de tineuracartesiana, Heereboord éexplcada no Breve ratado(Primeira parte, cap. tt, p. 71 da tradugio de Appubn): “Deus é uma causa ima- nente-¢ ndo transitiva, na medida em que age em si, € n30 fora de si jé que nada existe Fora dele.” 1 Para dae a ctags efeténcas que exigem uma indica de pi ta eenvamor 3 edigso da obras de Espino por Van Vloten e Land eee ae Pe, “eee cae 6 Vierox Detnos Por certo os conceitos de que se langam mio na Fsica para preparar ou constituie a prova dessas duas proposiqoes, conccitos de causa de si, substincia, atributo, tm em certa ‘medida uma origem cartesiana; porém softeram transforma- ses de sentido que o cartesianismo no implicava ¢ presi zam-se a usos que o cartesianismo comportava ainda menos. espitito pantefita traduzido em Espinosa pelo emprego ¢ combinagio destes conceitos no nasceu dos préprios con- ‘eit; ele tem ourras Fontes, ndo somente sentimentais mas filoséficas, e€ indo de encontro a Descartes que primeito se manifestou. Reportemo-nosao primeiro ds dis Ditlegorinseridos no Breve tratado. (Nao obstante eras bjesbesfeitas por Freadenthal,¢ oportuno conta cree que a ext a mas antiga expresso que temos do pensament de Espinosa) O Didlogo poe em cena o Intl, 0 Amor & Razdo © Conc picncia. A questi calocada plo Amon que ésaber se existe {im Ser soberamamentepersto que nfo sea limicado por ne~ num outro, ntl ea Rando exo de acordo em respon dec que existe um tl Sere que este Ser» Naturenaconce- bida como una, eterna, infinita, Contra essa afiemacao, a CConcupséncia fx aera diversidade das coisas e dos sere; invoca paticularmente a hetrogenedade da substncia ex- tensa eda substinca pensante ea difculdade em concorda- las com uma substancia que asa em tudo pert. Portanto, aque tem a fazer 0 Aor sen apcgarse 20 que a Coneupis ‘em 2 vol in-8 (882-1883; para auels que se refrem a0 Breve Tada de Des, do bomen de ua lide, eso exo n05 chegou em holandés, eaviamoe a wadusse fancea deste Tatado dada por C. ‘Appa no primcico volume de sias vores de Spine ries secuNDa Ligho 7 tncia Ine mostra? ~ O Amor, a0 conttiro, ve sua perda nisso que Concupiréncia lhe prope como objeto. €2 Rezo reto- ‘ma prochmando a falsiade da tese segundo a qual hi diver- sas substincis distintas, proclamando a verdade da tese ¢- gzundo a qual hi somente uma substincatnica, que subsiste por si mesma e & 0 sustenticulo de todos os atibutos reais. “Tal como se considera aextensio eo pensamento como subs- tlncias relativamente aos modos que lhes sio dependentes, dda mesma maneira deve-se consderi-los como modos relat ‘vamente & substincia de que dependem. ~ A Coneupicéncia tio depse armas, cis a dficuldade que ca ope i Razio: con- ‘verter 0 que até entio se chamava de substincias em simples ‘modos de um ser tinico & considerar a Realidade como for- ‘mando um s6 Todo, mas o todo, fora de suas parte, no tem existéncia, é apenas um ente de razio. O Ser tinico, eterno € infinito, porcanto, é apenas uma abstragio. Na verdade, a ‘Razis confunde 0 Todo com a Causa; 1 extensio ¢ 0 pensa- ‘nto, tis como ela os compreende, dever se, em relagio a0 Ser infinite eterno, néo como partes & relaco 20 todo, mas como efeitos em relagfo & causa; ea caus, visto que ela prods seus efeizs, esté fora destesltimos. Em outros ter- ‘mos, segundo as conclusBes da Concupivéncia, eomo 0 Todo difere das partes, o Ser infinito nio é nada; como Causa de certs modes, ele € bem real, mas nesse caso distinto de seus efeitos. A Razio responde denunciando o equivoco dos ter- mos: se a Concupiscéncia pode raciocinar asim € porque ela 6 conhece um tipo de causa, a causa tansitiva, cujos efeitos fe produzem fora dela, a0 passo que hi um outro género de caus, a causa imanente,cujos efeitos permanecem no interi- fordela. Uma causa imanente, pois, amiém pode ser dita um todo, no sentido de que seus efeitos, que estio nel, tm nela sua unidade. Assim, Deus é causa imanente dos seres que cle faz sere com eles forma urn todo, 0 Todo. 28 Victor Duisos Tal 60 sentido dese primeito Didloge: nel encontra ‘mos nitidamente enunciadas as duas proposies esencais que realgamos na primera parte da Brea: mas as encontra mos ema técnica de defiigBexeprovas de que o cartesian ‘mo mais ou menos fornecerd os elementos. E ai que primeiro aparece manifstamentealigagfo, que na Buca nfo € quase anunciada seo pel ctlo ou que se revela apenas nas ‘mas pares da obra, entre o problema ético-eligioo colocie do por Espinosa ea concepsio da unidade de substincia. Eo “Amor gue, aspirando a um objeto capaz de contenté-lo ple rnamente, pede ao Intlca 3 Razdo que o fagam conhecer esse objeto; e & a Concupscncia que tena avila edispersr ‘Amor epresentando- Ihe com una fala imagem a dstingio ‘ea fragmentagio dos seres. A afirmagio da unidade do Ser aparece desde eno a Espinosa como a inicagarania de et- tera para o Amor, da mesma forma como sio as apiragdes profundas do Amor que suscicam, do lado da Razdo, al afir- rativa. Entre a Metafisca pantelsta eas condigées da vida ‘moral ou religiosa, haf uma inimidade de relacdestoal- ‘mente etranhas ¢opostas ao pensamento de Descartes. "Alm disso, a esta altura nfo pareceu a Espinosa que 0 catesianismo pudesse se, em alguma medida, a doutrina da Razao. A época Espinosa conhecia Descartes? Prevendeu-se aquenio (Avenarius).Porém o conteido do Didlog prova que ele o conhecia, tlvez superficialmente, 0 bastante todavia para tomé-lo antes como inimigo do que como um possvel Mado. E uma douttina cartesiana, a doutrina da heteroge- neidade e distingio das substincias, que ele poe na boca da Concupictncia, © que Ihe & oposta de entrada, no sem al ‘guma aver, éaidéia da unidade do Ser. Ele parece no sus Petar do partido que poderatirar da doutrna caresiana para concentrar em Deus toda poténcia causal, como fardo os SEGUNDA UIGho. 29 ccasionaisas assegurar assim uma espécie de direio lig de concentias em Deus todo set Na verdade, continuadores mais auténticos do pensi- mento de Descartes, 0s ocasionalists nao atribuem s6 Deus toda poténcia causal sendo para dela destiuirradicalmente a rnaureza: eles nfo amalgamam 3 iia da causalidade divina a ida de uma natureza que, em sua unidade eroaldade, seria adequada a essa forcainfinita de producio; les so, antes, ancinaturalistas. Ao contriio, um dos tragos mais salientes desse primeito Ditlag que Espinosa ai declare desde o inicio atequagio entre Deus ¢ Navureza, que a afirme energicamen: tc, contra todo pensamento de distingio ou limitagio, a uni- dlade fundamental ea infnidade da Nacureza, a fim de poder igualara Deus a Narureza, Est afirmacio é, pois, no expino- sismo, anterior 20 manuseio dos conceitos cartesian, esub- sist sob a forma cartesiana pela qual se esforgaré em expli- cars ejustfcarse. ‘Quando, com efeito, na primeira parge do Breve Tiaa- do, Espinosa emptega pata definir Deus Rogdes comadas a Descartes transformando-as, cl aribui& Narurezajustamente a5 mesmas caracteristicas que a Deus ela € constiuida por axributos infinitos, os quais, cada um em seu genero so per- feito. E 0 que Ihe permite justfcar sua proposicio capital: po hé no intelecto divino nem outras substincias nem ou- 10s atributos sendo aqueles que existem realmente na Nacu- reva. A toda existinciaficticiamente concebida como poss- vel fora do que realmente é, Espinosa opie a Natureza como ‘manifestagi de eudo o que & verdadeiramente possvel sob 0 aspecto do ser tual. O dualismo cartesiano do pensamento ¢ da extensio no se opde mais absolutament, ele subordina- se afirmagio da unidade da Natureza: se exsissem substin- cias distineas que nio se relacionassem com um s6 € mesmo Ser, sua unit seria impossivel, Ora, a Natureza nos apresen- 30 sron Ditos 1a esa unio profunda dos seresdstntos¢ com isso exprime sua radical unidade, Asim, a unidade de substinca, ue ma Thica seed concla por via Idpicae conceiual,resultou de inicio, no pensamento de Espinosa, de uma afirmacio pri- tmeita ede certo modo previa: afiemacio da unidadee inf- nidade da Nacureza, com o que a Natueza era identficada a ‘Deus. Na propria Erica, em que o Ser uno einfinico & mais cexclusivamente chamado de Deus, em que 0 racionalismo dos onceitos parece em certa medida dominar 0 naturalism pri- mitivo de Espinosa, a expressio “Deus ou Natureza” ainda tecorna: Aternum illud et infinitum ens quod Deum sew ‘Naturam appellamus, como & dito notadamente no Preticio. da 4 parte da Erica. Deonde er vindo a Espinosa idéia de Narureza una ¢ infinia? ~ Da filosofia de Giordano Bruno, respondem ‘ros historiadores, em particular Christoph Sigwart, que, p6s ter sustentado a tse em seu lvro Spinoza nenentdecker Tactat (1866), no comentério que fez acompanar sa tr dlugaoalema do Breve rrazado mulcplicow as cages de malas de Bruno andlogs is fémulas de Espinosa, Tas apro- images, porém, numerosis que sejam, nao podetiam rornae tvidente a tese de que Espinosa é diretamente inspirado por Bruno; e sem divide no seria impossvel ambém operar aproximagoes do mesmo género entre Espinosa e outro id= Sofos de tendéncias mais ou menos vzinkas, como Patizzi, Cesipini, Campanella, Eneretanto, permanece vrossmil que Espinosa de alguma forma tenhaassmilado o pantefsmo ax turalista da filosofia do Renascimento no que ete panetsmo Cinha de contririo ao esprto duals, e de modo mais geal 20 epirito de distingfoe limitagio por meio de conccios, Tinto Ese pantefsmo naturals podia sem dvida, no que conceme questo dis relagbes de Deus e do mundo, ter mais SEGUNDA Ligho 31 dde um trago comum com certas doutrinas dais ou irabes aque haviam contibuido na educacio intelectual de Espino- s3; mas que Espinosa tenha sido por isso mais diretamente inspirado & 0 que se estariatentado a erer por um motivo to- talmente psicolgico: em sua huta contra os representantes da ‘ortodoxia judsica ou cist, ele devia com mais naturalidade tomar por ponco de apoio a especulcioligads& cgncia © & cultura modemas do que as teoras laboradas num passado Jonginguo. Estas ilkimas teorias por certo agitam sobre ele, mas de uma outra forma e elver.com outros resultados. Eas forneceram o que se poderia camara part superior ¢ os ee- ‘mentos mais especialmente teoldgicos de seu pantelsmo. Po- 1ém, no que Fspinosa mais deve terse empenhado em fazer raler ¢ 0 espirito da nova ciéncia. Ora, 0 panteismo do Renascimento, longe de exclu prineipios elementos tol6- cos, ea sob forma grandiosaeaudaz, uma expresso da ten- ncaa liberar 0 estudo da natureza de qualquer limite im- posto de fora, e por isso rendéncia aliberar a prpria natareza dle qualquer limite. Num primeiro momento de ebriedade derase a conquista da autonomia do pensamento, levado 20 infinto, divinizado o objeto essencal da curiosidade que €a [Natureza,¢ que a rigider das formas edistingbesescoisticas ppreca ter artfcalmence limitadoe feagmentado, Que se associando a essas disposigées, Espinosa, em face do dualismo cartesiano, tenha comesado por sencir-se Anticartesiano, pode-se compreender apés té-lo constatado. Mas também se pode compreender por que ele foi conquis- tado pela filosofia de Descartes, de maneiraa ver af um meio de niciago verdade, de forma sobretudo a empregé-la como renter pn conve eu pens ‘em doutrina. © Amor, diz ee no comego do primeito Did: Jogo, pode manter seu sere sua perfecto apenas naexsténcia «na perfeigio do objeto supremo representado pelo intelec- fel Lee, S| oe oe 2 Victor Drusos to, Se Espinosa fosse homem de contentar-se com verosi Thangas e engenbosas construgiesespeculatives, texas br thantesimaginagdesdafilosofia do Renascimento lhe tives sem bastado. Paras mesmo e para solusio do problema que Aquera resolve, contudo, rath necesiro wn modo de o- hecimento mais igoroso e ero, Corus, em sua Biogas, Jmputathe eta dclaragio: que aprendera com Descartes admitir apenas o que tvese sido estabelecido por eazdes sli ddasedele ecebera as maiores lures para explicagt d tera, Decertoa fica cartesian, pela clarera de seus tse de sua dedugio, devia patcularmenteconvir a0 que 0 espitto de Espinosa cinha de preciso e postive. S6 que esa fsica toda geomética,reeonduzindo a macria extensio as leis do movimento is relages matematicamente determi nveis, no fundo implicavao duaismo. Restava ver se o dae limo, pelos propos conceitos sobre os quasrepousiva, nfo, era capar de invocar a unidade de que no infcio ele parecia. inimig. O defeio do caresianismo néo seria simplesmente terlimitado oalcance desesconcrtos, tos Feito funcionar fem um mundo e para um mundo dividdo efinivo, quando fern si mesmos eles envolviam o Uno €oTnfinita? assim que Espinosa fark da filosofia de Descartes, re formada etransformada,o instrumento de demonstagto, ou melhor ainda, o meio de constituigio de sua doutrina como dloucrina asim que cle racionalizaréainuiglo que esti na forigem de seu sister, mas que como tl s6 teria 0 valor de tuma aspragio seneimental ou de uma lembranga mais ou menos fl TERCEIRA LIGAO A JUSTIFICAGKO RACIONAL DO PRINCIPIO. DA UNIDADE DE SUBSTANCIA “Tentamos estabelecer no que precede, sobretudo pela andlise do primeiro dos dois Didlogorinseridos no Breve ra- tudo, que 4 concepeio da unidade de substincianio s6 néo Se formata no exptio de Espinosa sob influéncia de Desear- {ex como também quc, em sia expresso esponcdnes, voltar sevivamente contra Descartes €odualismo cartesano. Pare- ce-nior que se essa concepcio com certeza nio pode ter Aetivado da flosofia de Giordano Bruno nomeadse isolada- mente tomada; deve em cera medida, entretanto, er sido inpirada a Espinosa pelo panteismo neoplaténico e natura lisa das doutrnas do Renascimento, de que filosofa de Bru- fo & s6 um dos expoentes. Porém, tal qual, sem divida ela {eta permanecido em Espinosa como uma pura incuigso sem Bie istics gare’ nfo ree ra do care sianismo para converter-se em doutrina e compartilhar da cercza da nova ciéncia. Se desde 0 momento em quesecolo- cou o problema capital a seus elhos 0 problema da salvagio da alma ~ Espinosa convenceu-se de que a solugio do pro- bem esti no amor de Deus, na unit imediataeineira de nosso ser com 0 Ser infinito, cle também declara em nitia- 4 Victor Deseos mente que’ o amor seguro e constante depende do conheci- _mento perkito de seu objeto. Nee, pois, anecessidade de um saber preciso, bem demonstrado, igualae corrobora sua con- cepedo panteista primeira. Compreende-se desde logo que tena sido atrado e capcurado, 4 medida que melhor cone cia Descartes, pelasregas cartsianas acerca da evidéncia,as- sim como por uma fisica cujos prinipios claros, definidos ‘com exatido, logicamente desenvolvidos, sobrepujavam con sideravelmente em forga probante as especulagesaventurosas ‘algo posticas dos filésfos do Renascimento. (© ccartesianismo foi entto empregado na justifcagio racional de uma concepgSo primeira que cle nfo admitia € tampouco fornecera, S60 cartesianismo? — Freudenthal, em tum artigo, Spinoza und die Scholes, que far parte de um ‘volume jubilar em homenagem a E. Zeller, Philsophische Aufitze (1887), mostsou com flicidade ejusteza a grande pare provinda da tadigio escolstica gerl ou de certos es- ritoresescolsticos recentes na elaboragao do sistema espi- rnosano, seja porque Espinosa se apropria, como faz amide, de frmulas ou teses da Escola, seja porque a eas se opde, como faz por veres. Porém, nesse mesmo artigo Freudenthal reconhece que afilosofia de Descartes também estécheia de cementos ¢termos emprestados da escolistia: de tal sore 4quc os mpréstimos de Espinosa escoistica, asinalados por Freudenthal, parecem terem sido feitos — nao todos, mas um ‘bom niimero ~ por intermédio de Descartes. (V. sobre iso Exienne Gilson, Jndex scolatco-cartésien) O cartesianismo pportanto permanece, incontestavelmente, o principal instru- mento da eonsticuigio do sistema de Espinosa. Em que me- dida por si mesto presta-se esse papel, em que medida deve sofrer muelangas ¢talvezalteragbes para prestar-se isso, £0 ‘que cabe defint, Mas, reproduzido ou transformado, ele foi para as idéias espinosanas muito mais que uma roupagem ex- TERCHIRA Ligh 35 terior: determinouas ou angie a ‘operou-Thes lgagio de al forma que parece ter criadoa ni- dlade primeira dela, ainda quento tvesse de erga, mas ape- has apreendé-lae representa racionalmente Da concepgio pantefsta que animava aintligéncia de Espinosa, ele deve ter contribuido primeiramente para salva- guardar reforgar o elemento teoldgico. Talver Espinosa, de- clarando a idenvidade de Deus e da Natureza, por si mesmo tendesse mais a clevar a Natureza avé Deus do que a rebaixi- loatéa Narureza. Esa endéncia, um pouco indecisa no primero Dil go, manifestase erfetamente no Breve sratado. O Breve ma ‘do abe-se pels provas da exsténcia de Deus: antes de in- vestigar 0 que Deus é, Espinosa esforga-se por estabelecer que ‘Deus existe e sua demonseragio,diretamente toma de em préstimo a Descartes, cem um carter tefstageral, de forma Alguma especificamence pantelsta. De certeza essa adogio de {ess provas catesanas tem como efeico pag ou mantet Deas naluz da razfo em ver de deixé-lo decair Fumo a poténcias producoras obscuras; cl asinala que se tata de consticuir luma doutrina de Deus propriamente dita, e nfo uma douti- nna da Naturezainfnita,simplesmente revestda de uma for 1a tcolégica. Nisso, entio, Espinosa acita plenamente 0 Iacionalismo de Descarces, eo leva mesmo ao extremo, pois declara pela prova a priori uma preferéncia que Descartes ‘nunca exprimicategoricamente: “Disso tudo segue-se clara- “inente que se pode demonstrar tanto a priori quanto a por- ue Deus existe. Melhor ainda a prior, pois as coisas ‘que se demonstram de outa forma devem ser demonstradas Por sua causa exteriox, o que € uma impereigio manifesta jf "que nio se podem dar a conhecer por si mesmas, mas somen- | te por causas exteiores. Deus, entretanco a causa primeira dde todas as coisas e também causa de si mesmo, dé-se a co- 36 Vicron Dissos rnhecera si mesmo por si mesmo. De pouco significado, por- tanto, éo dito de Tomds de Aquino segundo o qual Deus no pode ser demonstrado a priori ¢ isso precisamente porque ‘nfo tem causa.” (Primeira parte, cap I, p. 48) Deus se fax ‘eonhecera si mesmo por si mesmo; com efeito, percebemos clara e distintamente que aexisténcia pertence & narureza de Deus ora, tudo 0 que eoneebemos clara e distintamente per- tencer & natureza de uma coisa, podemos verdadeiramente afirmi-lo dessa coisa, Ou ainda, a exstencia de Deus nao faz senfo um com sua esncia, ¢ toda esséncia € eterna: a exis- t@ncia pertenceentio a Deus desde toda a etermidade. A ne- ‘essidade pela qual em Deus aexisténcia resulta da esséncia, cou mesmo a identidade, em Deus, da existéncia com a essén- cia errna: cis a verdade que, sem outra condigSo, manifesta- se 4 razio por si mesma ‘Mas como os conceitos cartesianos que servtam para ddemonstrar que Deus existe, segundo a douttina de Descar- tes, vio serve para demonstrat, contrariamente & doutrina de Descartes, que nlo ha ser fora de Deus? Para chegar a esse resultado, devem cles evidentementereeeberaplicagies ou sigy nificages nova. Quai? Com esse Fito, realeemos, dentre as definicbes que abrem a Erie, as que mais diretamente pre- param a prova da proposigio xwv, conforme a qual “Afora ‘Deus, ado pode ser dada nem ser concebida nenhuma subs- tincia.” Definigo I: Per causam sui intelio id eujusesentia involve exstensiam; sive id cujus mature non potesconcipi nisi exten, “Por causa desi entendlo aquilo cua esséncia envolve cxisténcias ou por outras palavras, aquilo cuja natureza no pode ser coneebida seno como existente.” Definigao Ill: Per substantia intellign id quad in se este er re conipitr, boc cat, id eujusconceprus nom indigetcomecpt alters rei a quo formari debeat "Por substinciaentendo 0 que existe em sie ‘por si éconcebido, iso é, aquilocujo conceto nio carece do TTERCEIRA LIGAO a7 conceit de outra coisa do qual deva sr forma.” Definigio IV: Per atribusum intlligo id quod insellectus de substantia percipis tanguam gjusdem exentiam consttuens. “Por asibuto tentendo 0 que o intelecto percebe de uma substincia como consticuindo a esséncia dela.” Definigio VI: Per Deum insligo ens absolute infinitum, boc est, substansiam constanter infiniti aeributis, quorum unurguadcungue areraam er inf risa exentiam exprimit. “Por Deus entendo um ser absolu- ‘tamente infnito, ito é uma substancia que const de infin tosatributos ada um dos quaisexprime uma esséncia eterna e infinica.” Segunclo uma intepretagio muito propalada,s6 a de- finigio da substinca, na abertura da Erica, basta para impor logicamence a unidade de substincia: desde que se entenda como uma substincia aquilo que € em si e €concebido por si, s6 Deus evidentemente pode satisfaer tl definigio. Os primeitos tcoremas da Erica precisam apenas desenvolver 0 Sento dessa definisio para mostrar que uma substinca nfo pode ser produzda por outra substincia, que toda substincia E necessriamente causa desi. ‘Ora, partindo dessa interpretagio, parece fic susten~ tar além disso que o espinosismo & apenas 0 prolongamento aquase imediato do cartesianismo,jé que, por um lado, Des- artes jstificou a aplicao a Deus do conceit de ‘causa de Ai", por outo, 0 prdprio dew da subscAncia uma definigao que, {omads em todo seu rigor, convém somente a Deus. De fato, quaisquer que sejam as origens primciras © er que tenham sido as vicissitudes do conecito de causa de si, € sem divida alguma a Descartes que Espinosa "0 erga dd nom indiger conepray, numa prove lla de inpesso, (Comino segundo a edigio Vlotn 8 Land. (N.T) 38 Victor Datnos tem-no diretamente tomado, Em suas Respstas as primeinas objeres, Descartes dix: “Confesso francamente que pode ha- ‘er algo em que haja uma poténcia tio grande eto inesgotd- vel que munca tensa carecido de qualquer usilio para existir «que também nio carega agora para ser conservado, ¢ assim que seja de alguma forma causa de si mesmas e concebo que Deus é ra” (Ed. Adam-Tannery, «. IX, p. 86: ¥. p. 87). Em suas Repostas ds quartasobjegdes, contra Arnauld, que preten- dera que a nogio de “causa de si”, formada por analogia com Aanogio de causa ficient, fosseinaplicivela Deus, que, para sists, no podria requerer uma causa anterior asi mesmo, Descartes observa “que a rao pela qual Deus nao carece de nenhuma causa eficiente para exist funda-se em uma coisa positiva, saber, na propria imensidade de Deus, que €2coi- s2 mais postiva que pode haves” bidem, p. 179); ele mostra como a nogao de “causa de si” rem, de preferénca & formula em que Deus ésem caus, a vantagem de exprimiraimensid de de eséncia “positivssima” de que resulta a exstenca divi- 1a (ibidem,p. 182-5). Assim, por um lado, Descartes forne- cia os elementos da definigio de cause desi dada pela Erica, € era para Deus que ele introduziae justificara o conceito. Por outro lado, Descartes defini de duas formas dife- rentes a substincia, Fis a definigfo que ele dé no esbogo de demonstragio geométrica que segue suas Resportas is segun- da objegdes: “Toda coisa em que reside imediatamente como em su sujito, ou pela qual existe, algo que concebemos, isto 6 qualquer propriedade, qualidade, ou atributo, de que te- sos em nés real idéia, chama-se substancia.” (Ed, Adam Tannery, «IX, p. 125,)? Essa definigio é conforme & mais 2 Tad, de Jacob Guinsbug e Bento Prado Je, Vol. "Descartes" da Col “Ox Penne", Sho Pal, Nova Calera, 1986, p. 376. (NT) ‘renceina tr¢80. 39 antiga tradisio aristodlica ¢ escolitica, ¢ permanece, pelos uses que dela se pode fzer,bastance indeterminada. Fis uma segunda, dada em outro lugar por Descartes, e que aampouco sem antecedentes escoisticos: “Quando concebemos a subs- inci, concebemos uma coisa que existe de tal maneira que s6 tem necessidade desi prpria para exis. Max pde haver cobicuridade no que toca a explicacio da expres: s tem necs- sade desi pripra, Falando com propriedade, s6 Deus €35- sim e no hi nenhurna coisa eriada que por um s6 momento poss exist sem ser apoiada e conservada pela sua poténcia. Por so se tem razio na Escola ao dizer que o nome de subs- Lincia nfo € untvocorelativamente a Deus ¢s eviaeurs, ito 4 no concebemas distintamente nenhuma significacio des- ta palavra que convenha a ambos com o mesmo sentido.” (Prinipios da flosoia, prime pare, 51, Ed. Adam-Tannery, 11K p. 57.) Serd que oespinosismo vai se constitu muito simples- ‘mente suprimindo a restrgio de aparéneia bastante arbitei- tia pela qual Descartes, apds a Escola, impede de aplicars6 a Deus a nogio de substincia tal eomo ela acaba de ser defini- cla Essa defnigio da substincia nfo vai, num pensador me- ‘nos comedido do que Descartes, por escrpuls de ortodo- xia, produsir 0 pantefsmo como seu fruto mais natural Eneretanto, a conexio que amide se tem descoberto entre 0 cartesianismo eo espinosismo nfo é a coviexdo que realmente se cstabeleceu entre cles. Fo que se poderiaprovarjé por uma andlise arenta das definigées¢ primeiras proposigBes da E'i- 4; € 0 estudo do Breve ratadotoxna esa prova mais cémoda ceainda mais concludente. ind Joto Gams Lisboa, EA. 70,1997. (NT) 40 Victor Detnos Inicialmente cumpre observar que, no capitulo Il da primeira parte do Breve matade, a nogio de substincia, em ver de aplicar-se a Deus, aplica-se diretae essencialmente 20 que Espinosa chamard mais tarde de atibutos de Deus: €a principal questio que Espinosa se coloca em torno do tema da substéncia no é saber se Deus éa substincia tniea, mas saber se pode estar no intelecto infinito de Deus substincias (no plural) que nao existam realmente na natureza ou que s- jam mais perfitas que aqudas qu existem na naturera. Asta questio Espinosa responders, como Ihe & habitual, pela ne- gativa; os termos porém em que a enuncia indicam 3 sufcién- tia que ele nao vai simplesmente da definigio earcsiana da substincia & afiemagio da unidade de substinca,jé que as- sim a questio nfo teria como surgit. Todo o contexto mostra que as substancias de que af se crata sto substincias de gene- ros diverss, substincias tas como sio a substincia extensa € a substncia pensante. E se Espinosa esforga-se em demons- tar que toda substincia ¢ infnia, nfo é em Deus que entio ‘le pensa, mas em toda substincia de um certo género: de tl forma que com todo rigor pode haver, nesse momento do desenvolvimento dialético de seu pensamento, nfo somente uma substineia infnita, mas uma pluralidade de substncias infin. Evidentemente, Descartes explica em certa medida por ‘que Espinosa péde af chamar de substinciao que ele prefer- ra chamar em outtos lugares de atribuco: por que Espinosa poderi inclusive, como no Apéndice geométrco do Breve ra- ‘ado Prop. 1), tomar indiferentemente um pelo outro ote mo “substncia” eo temo “attibuco”. Nos Principios da filo- .9fta (I, 53), com eleto, Descartes identifica a substincia com aguilo que ele nomeia seu atribuco principal, e que constitu, diz dl, toda sua natureea ou esséncia; © pensamento igual mente pode ser dito aributo principal ou substincia da alma; TERcuIRA LIGko a 4 extensio igualmente pode ser dita atrburo principal ou Subseincia dos corpos. Mas Descartes ao mesmo tempo ad- como sendo evidente, que um mesmo atrbuto pode portencer a uma pluralidade de substincas,e de substincia Finieas, ao paso que Espinosa sustenta que toda substincia é infinita e que no pode existir mais que uma substincia de mesmo atsibuto. Em verdade Descartes no punha na idéia dos aribu- tos das substdncias (excegio fita aos atrbutos de Deus, cujo sentido, de resto, é pars ele inceiramente diveso) nada de que se pes concur necessariament ealidades coresponden- tes, Segundo cle, estou cero da existéncia de meu espirto Porque penso ¢o préprio de meu esplito éser uma substin- Cia peisante;porém, xe meu sr €af defnido pelo pensamen- toque me fa conhect-lo, nfo hd entre 0 pensamento em sie minha exiseenca uma conexdo necessirs: hi simplesmente tuma unigo indissolive de fo entre minha existéncia e meu pensatento Se existem substincas corpora, elas devem ser essencialmenteextensas,consoante ida clara e distin que tenho da matéria; masa nog de extensio no tem nada que implique a existéncia dos crpos, exaexsténcia mesma nia provada em Descartes sendo por uma argumentagio bas- tantelaborist e por consideragbes diferentes do que nos pode osinar a ideia de extensto sora. Assim, é preciso que, pat- tindo de certos concetoscartesianos, Espinosa les alague 0 sentido c aumente o aleance pata poder conclu, contraia- mente a Descartes, qu toda subseincia € infinica, que s6 hi ‘uma tnicasubstinca pensante, que 6 hi uma tnica subs- tna extensa. 1d um ponto, als, em que Descartes parece ter con- ocado ou fivorecido esas conclusées contdras& sua dou- trina explicta. Reduzindo a alma ao pensamento, ele podia ainda apoiar-se sobre o ito de o proprio pensamento ati- a Victor Dissos buirse a um sujeito para admicir que hd tanras substincias cspirituais quantos sio os sueitos pensantes, Porém, reduzin- do a matéria i extensio matematica homogtnea, pareci ex- cluir da matéria todo principio euencial de individuacio ti taha de sustentar que a matéria, primitivamente privada de toda distingio e de toda especificagio de partes, recebe s6 do, movimento a diversidade das coisas que ela manifesta; essa diversidade é, pois, modal, nfo substancial; a substincia ex- {ensa, no seu Amago, deve ser una. Com isso Descartes pres- tava-se is teses proprias de Espinosa Entretanto, Espinosa s6 pode estabelecer essa ceses le- vando a0 extremo 0 relismo que envolve em Descartes a con- cepsio das sséncias. No que & para Descartes, aidéia de pen- samento © no que é a idéia de extensio, cle nfo considera, sob o império de sua concepeio panteista primeira, endo a sua reaidade “objetiva’, ou melhor, seno sua natureza esten- cial, destacaca em alguma medida de todas as operagies inte- lectusis que a tepresentam:; além do mais, da relidade objeto do imteleco cle nio hesita em fazer uma realidade em si, & qual o intelecto subordina-se, tal como & cota inteligivel a funcio de conhecer. O Pensamento e a Extensio sio assim géneros de ser que, cada um por sua conta, consticuem a Na- tuteza,e dos quais 56 € pertinente perguntar-se seo intelecto| infinito de Deus pode compreendé-lo de um patamar mais clevado. O que mostra que no o pode é que toda substincia infinica em seu gnero: donde viia, com efeio, sua limiea- ‘fo? Nao haveria como tri-a de si mesma, pois sua esséncia absolutamente positiva no poderia admits um nada; deve- nto tila de um outro Ser que, devendo ser ilimitado ‘em todos os sentides para ter poder sobre elae as outta subs- ®ncias, e-lavia ciado limitada por impocéncia ou por defeito cla vontade;o que ¢ absurdo. Depois, como toda substincia ¢ infinita em seu genero, no podem exist duss substincias “renesiRa Ligh eB semethantes, pois a segunda, tomando emprestado uma parte dda mesma essEncia, limitaria a primeiea,tornélaia fina; 0 {que € contraditério com a proposigio anterioe. Por conseqi- éncia ainda, nenhuma substincia pode produzir uma outra, ji que a produgio dest outra suporiaentee as uss uma co- rmunidade de atiburo © que, para Espinosa, uma substincia ‘compreende em sia totalidade do atributo que a constitu Ora, a que nos levou até agora esa elaboragio expino- sana da nogio de substincia a partir dos dads cartsianos? A iso: ha substancasinfneas ada uma em seu género,subs- ‘inci absolutamentedistintseireducivis, Reaproximamo- ‘nos, assim se desea, da concepcio pantefsta, no sentido de ue toda substincia, sendo infnita, é, por essa infinidade, suscetvel de ser atribuida a Ser divino; mas € necesito que se prove ainda que o Ser divino deve compreender toda reai- dade substancal. Vimos, na lgio anterior, como a inuigso ddaunidadee infinidade da Nacureca repele sem difculdades, «em Espinosa, toda distingio irresolivel de subseincias; como entéo a demonstragio racional, que até agora parece justi car uma distingio radieal desse tipo, vai poder super logicamente? Te Nia a ino o bene: € nope de Deut gue de sempenha 0 papel gerador edecisvo ordinariamente reserva- do no espinosismo nogio de substincia. Deus, dia-nos 0 Breve sratado como no-lo dité a Erica, um See de que si0 afirmados atriburos infnitos, dos quais cada um é, em sou género, infinito. A primeira vista pode parecer que essa defi- (ond esti to distance das defnigBestradicioais e orto- ddoxasc, em particular, da dfinigio de Descartes: “Pelo nome de Deus, diz Descartes, entendo uma substincia infinit, eter na, imutével, independence, onisciente, onipotente, © pela ‘qual eu prdprio e todas as cosas que sio (se € verdade que hi coisas que exstem) foram criadas e produzids.” (Tereina me- 4“ Vieror Detnos stag, ed. Adam-Tannery, IX, p. 35-6: tad. cit. p. 288) Nos seus Principio da fila de Descartes, Espinosa expo defi- nigiocartesiana de Deus de forma, a0 que parece, a aproximé- la inteiamente da sua: ‘A substincia que entendemos ser por si sumamente perfeita,¢ na qual absolutamente nada conce- bemos que envolva algum defeito ou limitagio de pereigio, chama-se Deus.” (Parte I, def. vit tl, p. 389) Assim, sem oout,) Donde vem, contudo, que nos enganemos? De haver ‘cettas iis que, em ver de se reportarem a Deus enquanco constiui a ordem coral da nacurera, eportam-se a Deus en- ‘quanto constitu almas humanas particulates, sto é idéas de corpos pariculares;e assim as afecebes de cada corpo huma- to, em ve de detarem condi ao encadcamento casa «qu liga as modifcagdes de todos os compos de um mesmo tuniverso, conduzem a clas as afeeg6es dos corpos exteriores como a um tipo de realidade mais ou menos destacada do conjunto; ¢ assim ainda, as idéias das afecs6es do corpo hu- ‘mano tanto quanto das afeegdes dos corpos exteriors que 0 modem, en ere em ead ma conforma 0 combi ‘mento order verdadeta a narueza univers, proporcio- rams 3 indvdualidade de slguma manta ilad dessa alma sucedem-se segundo a elas fortitas que esa alma tem com 0s objetos exterioes, Jonge de se ligar segundo as relagbes reise necesséras que no fundo essa alma tem com o todo de que ela iz parce (Erica I, prop. x.120007) Sao idias confusas,inadequadas, sto é “como conclusoes sem as suas premissas.” Etica, I, prop, x0.) Elas tornam alma pasi- ‘Ya, pois embora néo sejam engendradas rigorosamene pela influéncia das cosas exteriors, no fizem que rproduzir a série vaidvel eno mais das veues incoereae das aecgbes dos corpos, 20 paso que a dias clara edistintas, as idiasade- quads, no pertencem somente alma como cois pensante, clas exprimem sua natureza mais intima e essencal so sua corrava uigho 109 pspria aio, Norcatemstentummodo agus quateras ntl ‘ginus, (Etca IV, prop. xxv, CE Etica, IL, prop. prop.) © erro tem si origem nas ids inadequads, ou me- lor no cariter inadequado de ceca dias pois a is ina- dlequadas nfo se cornam flss enquanto iis 0 podem serem decorrénca da fla de conhecimento que cas envol- ‘em equeas priv de conexso racional com as outras ideas tomadas em seu conjunto, Eas se tornam efeivamentefal- sas quando se atribuem o valor de idéias adequadas. Ao con- templarmos o So, imaginamos que etd dstane de nds cerca de duzencos pés: cis ina idéa inadequada. Ora, o er no onsite precisamente nessa idea, que contém até algo de postivoe verdadeiro, .queexprime o tipo de afecgfo neces- Sarlamentesusciado em nosso corpo pelo Sol ele consiste em tomarmos aida de distancia imaginada pela distancia ver- dladeira na falta de termos uma ida adequada desailtima O erro nfo ignordncia pura e simples € ignorncia da verdade completa que fiz que tomemos'por completa uma verdade mais ou menos completa. (Brice, prop. Xvi, sch prop. ce) ‘A teoria espinosana do cero aproxima-se da ceoria caresiana 20 no admiir no erro nada de posiivo; ma a ela Se opie muito vigorosamente quando nfo consente em ad- titir como explicagfo do ero nem a dualidade nem, com mais razdo ainda, a desproporsdo do intlecto c da vontade: mo hi vontade que poss afirmar o que quer que sea para além do intleco, concebido como © eonjunco das idéias Yontadee intclecto so uma a6 coisa, quer dies, tod ida tende por rmar-se, ea forga real da afimagio depende unicamente da clareza da idéia. (Erica, II, prop. soot 300, prop. xvi. CE Pinepiaphilophiecertesia- i, Prof. t I, p. 3783 Ga I p. 132.) 110 Victor Detnos A verdade e 0 erro asim expicados, que sio em ree sa eles nosss dversos modos de conhecimento? Espinosa ta Brea enurmera ts, o primeira podendo als se ainda sub- dividido: 1) conhecimento do primeiro género, isto é opi- ni ou imaginagio: compreendeprimeramence a coisas sin- gulates que os sencidos epresentam de uma forma mutlada, ‘confuse sem ordem algums; é 0 conhecimento por experi ncia vaga; compreende depois ot sgnos por meio dos quis nos representamos as coisas segundo propriedades gerais indeterminadase ligagdes de imagens acidentass 28) conhe- ‘imento do segundo género ou raz: compreende as nogées ‘comune as iddias adequadas ds propriedades reais das coi- ‘5s, nogBes e ideias que sio 0 fundamenta de nosso raciock- ios 3) conhecimento do trciro género, ou cincia inet ‘at procede da idéinadequada de certos atebutos de Deus para conhecimento adequado da eséncia das coisas. Esp rosa, uma ver mais, d& como exemplo a procura do quarto termo de uma proporcio, e observa que, se os trés ndimeros dados io 1, 2 €3,aintuigo fa-nos apreendes 0 nimero 6 ‘com uma cateza superior; decara porém, dferentemente do «que dissera no De Emendatione queadeseoberta do nimero 6, quando fundada sobre a propriedade “comun” dos niime- ros proporcionais,é nfo somente segura, como também ade- ‘quada. Em todo caso, 0 conhecimenta do primeizo género é 2 snica causa da flsidade das ids; 0 conhecimento do se- {gundo e do rerceiro géncro so necessriamente verdadciros (Erica, prop. XX.) ‘O que entende Espinosa pelas nogées comuns que sio ‘© abjeco do conhecimento do segundo gener? Primeiramen- te, cumpre nfo confundi-las com as idéias universis, com os universais, no sentido ordinari desta tltima palava. Sobre o problema do aleance dos universis, Espinosa mostra-se 80 decididamente nominalista que explica 2 formagio dessas fortava Licko m ideias pla impoténcia da alma em reter as diferengas ds coi- sas mais ou menor semelhantese por sua tendéncia aconser- ‘at apenas vags caracterisica andlogas,dversimenteperce- bidas ainda segundo os individuos. (rica, I prop. x1.) Se corre a Espinosa empregaro termo nogGes universais para designar as nogbeseomuns (Eve, Vs prop. 200 sch), € que as noses comuns desempenham no conhecimento das coi- Sas particulars que delas dependem, o papel de principios apliciveis a todas; mas nfo se consituem e nfo funcionam & guisa de idias que representem géneros cespécies "As nogées comins merecem ser chamadas assim sobre- tudo em razio de seu objeto, O que € comum a todas s coi: sas, diz Espinosa, o que se encontra igualmente na parte € no todo, s6 pode set concebido adequadamente. (Ec, I, prop soo.) Todos os corpos, antes ele dissera, elm em comum envolveroconceito de um sb mesmo aributo,aextensio,¢ ppoderem estar sea em movimento, ja em repouso, ou ain- dda mover-se com mais ou menos lente, mais ou mens velocidad (Erie, I, prop. x, Axiom. Lemm.) Sio as no- Bee desas propriedades comuns que permitem explcar 2s Coiss puriculaes, Ora, onde esto esis propriedades co- uns, apesar do que tém de incompleco sobre isso as indica- s8es de Espinosa, senso nos atibutos e modos ifinitos, s- ‘io nas coisas fase eteras” “lis af inserts’, tal como diz 0 De Emendatione? De rest, uma passagem do. Tratado teoligice-polico confirma incidentalmence qe é bem esi 0 objeto das nogbes comuns: Sicuti in serutandisrebus naturali- ‘bus ante omnia invetigareconamur res maxime wniversale et toti Natura commanes,vielcet motum e quiet, corumgue eget regs quae Natur semper observa er qua continua cai, tox his raat a lia minus universe procedimss. (Cap. vs. p. 465; G., I, p. 102; trad p. 211.) “Da mes- ma forma que ao estadar as coisas naturas procuramos, pri- m2 Vieror Dinos meiro que tudo, aquelas que sio absolutamente universas ¢ comuns toda & natures, tas como © movimento, o epou- s0 eas respectvas ese reas, que a mesma natureza observa Sempre e segundo as quas age continuamente, passando-se depois gradualmente a outras coisas menos universis.” 'As nogoes que tém como objeto as propriedaes co- :muns so também comns a todos os homens (tia Il, prop. 2oowvt, coro), desse outro ponto de vista, a expresio de rnogBes comuns reencontra 0 sentido que tinka na lingua f- loséfca tradicional, na lingua de Descartes inclusive, osent- do de verdades comumente admitidas por sua evdencia ime- 0 sentido de aviomas. (V. Descartes, Med. See. Rep, ced, Adam-Tannery, . VI, p. 1645 rad. cit, p. 377.~ V.cam- ‘bém Espinosa, Lica, prop. vi, sch. 2.) ‘As nogGes comuns fazem considera as coisas como ne- cessiriascsob cea forma deexernidade (Eta Il prop. XL1V) aplicdveis sem duvida s coisas singulares,s6 permitem ai Blas por rgras que as fazem depender mas das ouras se ‘undo uma ordem estabelecda pea deduso. Porém, o que é ‘comm a todas as coisas e se encontraigualmente na parte © no rodo no constitu a essénca de cos singular alguma (Et «a, Il, prop. 00%); € prbprio do conhecimento do terceiro sginero ir até essa exséncia; ele procede, vimos, da idéia ade- ‘qua da essncia de certosaributos de Deus 20 conhecimen- to adequado da esstncia das coisas e€ intuitivo, Ele apreende as exsécias das coisas como eternas 20 mesmo tempo que sin- gulares (ti, V, prop. xx, prop. 20802), e as apreende em sua relag diretae fcima com Deus. (Excell, prop. XM, sch.) No fsndo, ele depende da alma apenas porque a p pra alma é eterna e tem consciénca de existe e em simul fo de esta indissoluvelmente unica & Deus. Donde o valor supremo que tem pas nasa shar o rt pero de jortava Ugo us ‘Assim, a Briar artemata 0 forgo executado por Espi- rosa para reunir ao saber que explica as propriedades da na~ {urea materiale da alma humana o saber que asegura a vida bbem-aventurads (Erica, V, prop. xxv); elongo que tend a precisar pouco a pouco completamente, sob a influgncia de Descartes as condigGes¢o método do saber tedric, ea racio- nalizar ainda mais esse modo superior de conhecimento que €a intuigio. O progresto dat esultante nfo enfraquecet, muito pelo contro, 0 designio que tinha Espinosa de el- tminar do conhecimento as nogBes geraisabstatas para lhe Permits ating os sees em sua individualidade essencial, i- Feamente dependence da esséncia divina. Por outro lado, a ‘erdade das idas foi pouco a pouco nitidamente definid como pertencendo 3 natureza interior e exprimindo a ago prépria da alma; mas iso no, rigorosamente, autonomisy E automatismo espciual, como diz Espinosa no De Emen- dasione (1, p- 295 § 85) tomando a palavra no sentido de uma atividade do espirco regulada por leis que se impdem absolutamente a ela e que, por consegfinte, provém dela. Mesmo que se deseavolva segundo suas virtues nativa, 0 intel no ais que expsimir uma red Qos em seu principio supeemo, sea em sas manifestasBes neces Sian, exit independentemente dele donde o ger de in- fluéncia que ele exercerd sobre o homem para libero, e que consistrd nio em imprimirhe uma sorte de movimento triador rumo ao que ee deve ser, mas em ensinar-the 0 que ‘erdaderamente ele é com toda necesidade ¢ desde toda a cteridade. NONA LIGAO ‘A NATUREZA HUMANA E A LEI DE SEU DESENVOLVIMENTO. Foi antes de tudo para determina as eis ea diresso da vida humana que se consttutram a metafisca espinosana ea ‘cori espinosana co conhecimento € que elas nos ensinam sobre a natureaessencial de homem deve explicar-nos de que ‘condigSes dependem para o homem a felicidade ea salvagio, (ra, estas condigdes excluem rigorosamente o livre arittio ‘Annegasio do livre arbitrio ea afiemaggo da necesidade wni- ‘versal, de resto, no sio apenas conseqiéncias do sistema: so ‘motivos inspiradores dele. “Longe de minha opiniio sobre a necessidade das coisas, esereve Espinosa, nio poder ser en- tendida sem as demonstragbes da Bric: esta, pelo contririo, é que 85 podem ser entendidas sequela opinizo for previ ‘mente compreendida.” (Ep. x4 Il, p. 118; G.aIV,p. 161 CE fp. wee, p. 242 GIN, p. 311-2) ‘Aimpossibilidade do liveeaebieio resulta primeiramen- te de que toda coisa que sea determinada a produzr algum clei ser necessriamente determinada por Deus a produzi lo e no poder torna-se ela propria indeterminada, em ou tras palavras, de no haver nada de contingente na natureza (Boe |, prop. 3VF00x..CE. Breve tutada, primeira pare, 16 Vicror Drtaos cap. Vt) Se facilmente imputamos & vontade o caréter de indcterminagio que ¢prépri do lve arbi, € porque es- quecemos que a vontade é56 uma nog abstratae geal des- tacada pela imaginagio dos ator singulares de vontade, os tnieos postvose reais; com efeto 36 ha voligbesparticula- res, que, como todos os modos Finieos, si termos necessi- ios na sve das causas. (Breve mada, segunda pare, cap, x; Blea by ro. prop.) trtanto solve arbiro apenas uma Hcg, don- ‘de yer que os homens neleceeiam como numa realidad in- ‘contestavel? Essa crenga tem como ponto de partida um fato Posy mas us nila de una explication, ob jeto de uma interpretagso imaginria, O fato postivo € que nossasdesejos oF, como nfo confeceros as casas eas aque determina esas ages e que as ligam, assim como nos- 9 propria exsténca, 20 conjunto da naturea,reportamos a rds mesmos a faculdade de produzils, e dotamos esa fi- culdade de uma indiferenga que corresponde&indetermina- 40 de nosso saber Da mesma forma uma peda, movida por tuma caus exterior e que continua movendo-se quando a cu- sa motriz deizou de agit, se tvesseconsciéncia do impulso, Jmaginaria que é sua vontade live que a fiz porseverar em seu movimento. Eis olive arbitrio de que os homens tanto aa ee Me ue RS cia de suas ages june + gnoFieadas i Fea GPAs engardian Guana snes ms ples Bee deter aeariera vias falas noges da realidad ou doalance de seus atos ela invoca a seu favor a fraqueza de certo dese- js, que realmente sio 6 impoténcia, a fim de melhor exalear pos orga dard ch prendre an elo Tato da dvida, como se a suspensio do juizo no resul- tase de uma oposigdo necessiria de idéia que néo pe ain- NoNA Ligho 7 da levar a definitva predominancia de uma dels, (Esca, Il, prop. 1, sch Ep. t,t. I, p. 208; G., IV, p. 265.) Porém, objet-se de todas os laos, 4 doutrina da ne~ cessidade¢ contin exignciss da moral dre Em (qué? responde Espinosa, Fla suprime a distinglo dos aos bons € dos aros maus, ao passo que essa dstingio seria leptima? De jeito nenhum. Pois eses atossfo bons ou maus por wna propriedade que escé nels e que lhesresta aderente, de qual- {quer forma que sejam explicados; e por conseguinte eles sio Sempre ou a desea, ou a fugit. ~ Porém, se so bons, mere- cem ser recompensidos; al como, se mas, merecem sep nidos. ~ Sem divide; ou para falar com mais exaidzo, € em simesmos que cles porta sja sua recompens, sea sta pu- nigdo: a virtude e 0 amor de Deus implicam em sia alegria, tal como a maldade eo vicio implicam em sia tisteza ot a0 menos, estio privados da alegria pr6pria virtude, ou ainda provocam contra cles a represses socais. E precisamente na doutrina da necessidade que a relagio enge angio e ato ito come o risco de ser acdental e arbitra. ~ Masse €necessaria- ment ues homens pam, no sam desea anit de Deus? ~ Que se entende com is0? Que Deus nio pode inftar-se contra eles ¢ aumentar aimpoténcia deles como um suplemento da pens? Nada mais verdadeiro. Querem dizet {que os mau 8 vieiosos deveriam ser, relativamente a Deus, como se fossem virtuosos e bons? Chega-s, nese caso, con histo absurda de que eles deveriam ser tomados como essen cialmente diferentes do que sio. ~ Por que entio, insists, io sio diferentes? E eles nfo teriam razio em protestar con- tra condigéo que hes é dads? ~ Reclamagio nao menos ab- surda, Seria admisivel que o clteulo se lastimasse por no ter as propriedades da esfera? Da mesma forma, um homem cuja alma é impotente nio pode lamentar-se por set incapa de conter sas paxese po nao ter reebido o dom do conhieci- 18 Victor DeLtos mento eamor de Deas. Espinosa, apropriando-se das palaras de Sao Paulo, declra que estames has mos de Deus como a arglanas do ole, que pode fazer da mesina matéria um vaso de honra eum vaso de ignominia, sem que 0 vaso jamais pos- sa dizer iquele que o plasma: Por que me fst assim? A dou- trina da necessidacereconhece portanto as elas inerinse- «as que, fazendo os atos humanos dependerem da poréacia divina, determinam e sancionam por isso mesmo 0 grau de peteigio dels, ao passo que a doutrina do livee abi rela ‘apenas wma falsa morale urna fala eligi, (Ep. x, Il .69, G.I, p. 89; Ep. 206, p. 92 seg, G.V,p. 128, Pes, . 380-1j Bp. xm, p. 171-2, G. IV, p. 222-4; Bp. Lav, p. 242-3, GIN p. 312-3; fp. Lov Ee, IL, prop. XL, sch.) Hi, com efeito, uma verdadeita liberdade do homer, ‘mas que ¢ justamente o oposto do lve abitis caractria se pela negacio de toda contingéncia e de vada indiferenga, pel afiemacio da necssidade que fa resultar de nossa natu: ‘eza alguns de nossos cos. Por exemplo, se conhecemos o que € Deus, aafirmagio de sua eisttncia segue de nossa natareza com tanta necessiade quanto segue da natueza do tring: To quea soma de seus angulos iguala dois ero; e cntreeanco ‘nunca somos mais ives do que quando afirmamos uma ver- dade desse ipo. (Ep. 2% I, p 94-5; G. IV, p. 130: Pens, .381.) Assim, somos livres ndo porque nossa ago seria sem rade, mas quando compreendemos em nés todas as razGes de nossa agio O determinismo de Espinosa nfo é um fatalsmo, pois “mice que a necessidade & qual obedece o homem, longe de Ihe ser sempre um constrangimento vindo de fora, pode ser- Ie interior, idencficar-se, gragas ao conhecimento verdadei- ro, coma poténcia propria de sua natureza e constitu desse modo sua liberdade. Mas € um determinismo realsta que considera nos atos humanos apenas seu conteido objetivo © Nowa t¢ho 9 sua relagio objetiva com condigdes eternamente postas no ser, fe que exclui absoluramence, como negligenciiveis ou causas de ilusio, as formas subjetivas sob as quais a consciénciare- presenta-see pelas quais ela cx® poder produzir em alguma ‘medida sua agio. © que é entéo que regula curso da existéncia huma- na? Nio pode ser um principio particular ao homem, © que faria do homem na natureza como que um império num im- péti. $6 pode ser um principio que se aplique a toda © tacia natural; ilo: Unaguague re, quam in se et, in suo ese perevrare conatur. "Cada coisa se esforga, quanto esté em Si, por persverar em seu sex.” (Erica IIL prop. v1.) Todas as. tendéncias humanas sfo apenas expressbes desse ésforso. ‘Quando esse forgo se relere 56 3 alma, chama-se vontadé; quando seeefere se’ alma e 20 corpo em simultneo, cama: se apetite; quando o apetite é acompanhado da consciéncia desi mesmo, chama-se deseo. Etica, IY, prop. vit.) Porém, no esforgo fundamental de cada ser, sea qual for, para per~ earta eu argue alate qeecriccindarnrmaal a ei parece ser simplesmente a lei da inrci,e cor- responde assim sem duvide 20 design espinosano de rejei- tar no ser human, como em todo ser er geal, causase5- ppontineas de mudanga. Descartes dera da lei da inércia, com cfeico, a seguinte férmula: Unamguamgue rem, quatenus et simples et ins, manere, quantum in se, in eodem semper stat, nec ungua mutari nisi a cassis externis (Principia philosphia, 1,37, ed. Adam-Tannery, VII, p.62)'se¢m seus "No original, fla a ciao o temo semper que acrescentamos segundo ‘igo rilzda por Delbos. (NT), 120 Victor Detsos Principia philoophie cartesiane, Espinosa reproduziy ext mente ess proposigio de Descares, (ars I, prop. x,t Il, p. 432; Gy I, p. 201.) De fit nfo sustenta 0 espinosismo quea existncia eas modifcagdes de um ser infnio, seja qual for, sio condicionadas peas existncias © modificagdes dos ‘outros seres do univero? E no surge al uma satisfagio que cle logicamente deve dar as exigéncias do mecancismo? Por outro lado, fizendo as mudancas dos sees depender de con- digbes externas, ele nao admite menos, segundo a propria lei da inércia, que cada Se responde por sua prdpria potenca i poténcia dis cuss exteriores. Entretanto, considerads em seu sentido ¢em suas apli- cages, proposigio de Espinosa seria somente aki da iné~ cia generlizada, sem nada mais? Espinosa deduz dat imedi- tamente que o homem édeterminado a buscar 0 que sirva A suaconservagio (tice, I, prop. isch) Ora, a perseveran- “num mesmo estado mecinico ea tendénca a conserva como ser podem se identfcadas? Queatendencia «conse arse e buscar as cosas que podem serve & sua conservagio Sejaa lei primeiea do ser vivo é 0 que os esticos jétinham nitidamente afirmado (V. Cicero, De finibus, IIL, 5), e€ extre- ‘mamente veossimil que éo estoicismo ou a radio estsica ‘que Espinosa tenha tomado de emprétimo a linha geral de sua proposgio. Ente os estdicos,porém, a lei era apresenta- da sob uma forma nitidamente finals, e deforma etgiro objeto da tendénciaem fim quase distnto da propria tendén- cia Eprecisamente es interpretago finalsta comum da ei, em especial aplcada aos sees vivos, que Espinosa parece a0 contritoter-s esforgado por rejitat. Ou melhor, ele preten de recuzir a vida a essa le, mas entendida como a expressio de uma poténciacomunicada aos seresfnico s pela neces sidade da eséncia divin: “Entendemos por vida, diz ele nos Cotta metaphysics, a orga pela qual as coiss perseveram Nowa ticko a1 cm seu see” (Pars IL, cap. vi «Ip. 487; G.I, p. 260; Pens, p.24,) Assim, a vida nfo tem nada de especifico € as nogbes ‘mais ou menos confuses peas quais de ordindtio se a repre- senta nao tém nenhum valor expicativo prépio: 0 esforgo para perseverar no se 20 qual ela se reduz, nd € uma espon- taneidade que se determina sob a razio de fins. Porém, tal como Espinosa o admite, no fundo ese 6 forgo nfo comportaria uma certaespontancidade ¢ uma fina- lidade de outro género? Vejamos, primeiro, em vircude de ‘quai consideragdes ele 6 erigido em lei. No Breve matade, que mais habitualmente do que a Etica servese de expresses teoldgicas corrente, salvo ineerpretando-as em um novo sen- tido, ele € identificado & Providéncia. A Providéncia, diz Espinosa, “no € outra cosa para nés senao a tendéncia que encontramos em oda a natureza e nas coisa particulars, € ue tem por objeto a manutengio ea conservagio de seu pré= prio ser Poisé evidente que coisa alguma poderia por sua propria narureza tender ao aniquilamesto de si mesma, mas, pelo contritio, cada coisa tem em si prépria uma tendénciaa um melhor. ~ De smanter-se no mesmo estado e a elevar- forma que, seguindo essa definigio dada por nés,estabelee- mos uma Providéncia univenal e uma Parsicular. A Provi- dincia universal € aquela pela qual cada coisa ¢ produsida ¢ ‘mantida, enquanto uma parte da naturezainteies. A Pro- vidéncia particular € vendéncia que tem ada coisa particu- lara manter seu proprio ser, nfo enquanto é considerada uma parte da natureza, mas como um todo.” (Primeira parte, cap. ¥, p. 79.) Por ess maneira de conceber a Providéncia ¢dis- tinguir entre a Providéncia universal ea Providéncia particu- las, Espinosa justfca a existncia individual como tal, © a5 sim justifea tanto mais, a seus préprios olhos, quanto a une Deus por uma relagio de necesdade interna, endo de f nalidade externa 122 vVicron DeLnos ‘A demonstragio da Erica, sem apelar para a idéia de Providéncia mas retendo desta ida o que o sistema pode ad- mitt, explica da mesma forma o esforgo de cada ser para per severar em seu se: as coisas singulares io modos pelos quais mem de uma maneia crea © determinada, em outs palavas, coiss que exprimem de uma manciacertaedetetminada a prencia pla qual Deas {eage or, nenhuma dest coisas tem em si algo plo que psa ser destruida es porque cada uma dea esforg-se tan fo quanto o pode por persevrar em seu ser, c ese efor € apenas a esséncia dess coisa enguanto posta na exstncia, eee eal ea ea eco, a partrdo momento em que cada casa rce- be de outas coisas danarrena sua existncia etrmbém suas modificages, 0 exfrgo que ela far para conservar-se pode fpuccer 6 como uma expresio da lida ingress mas desde Ge ela sj também e antes de cudo uma eséncia, desde que fenha uma natures individval que a define postvamente fants que sa levada A exsrncia pla série das eausas exe mas, el do ésomente uma parce do univero toa, €um rodo {hua maneirae como uma uniade de concentraio para 0 mecanismo de seus estado. Poderfamos até limitar-nosa di- zerque, na doutina espinosan,aordem das esncas funda 6 mecanicsmo deiando-o operat, sem 0 espeifia rg tas alas humanas? Ceramente parece qe 0 eforgo para pereverat no sr tem como eftito a simples conservagio de todos os esados, quaisquer que sj, que afeam ama. "A alma, quer enquanto tem ida clarase distin, quer en- {quanto tem ideas confuses, eforg-se por perseverarem set sex" tcl, prop.) Parece, por outro lado, que as cau- Ses que aumeniam ou diminuem a poréncia da ala dere mninam-na de fra. Mas vé-e bem a seqiincia que a alma faz mais que manter 0 que cla recebe: “A alma, diz Espino- oxa Ligho 123 sa, exorcise por imaginar apenas a8 coisas que pers a a poséncia de agi” (ca, TIL, prop. iv; cf: prop. XI © se.) Com esse esforgo, que apropria pouco a pouco de todas as Casas de aleyia © pouce a pouco ecjeta todas as causis de tse, a alma, segundo aexpresiofrancamente finaista do Breve nade, "onde a elevar-sea.um estado melhor”; da liga- se pouco a pouco, segundo a Erie, somente a0 que afrma Sut prdpria potencia fora da influéncia detrminante dis cau- sas exteriors. Easim ela pode sera cua completa ou ade- Gquada de certos efeitos ost, nesse momento ela age ver~ Kdciramente.“Digo que somos ativos, segundo a definigio de Espinosa (Erica, Il def. x), quando se produ em nds ou fora de nds qualquer coisa de que somos a causa adequada, jsro 6 quando se segue da nossa naureza, em nds ou fora de nds qualquer coisa que pode ser conhecida clara e distines- rent apenas pela nossa natura, Mas, ao contro, digo que Tomos passivos quando em nés se produz qualquer coisa ou {qualquer coisa segue da nossa natura, de que no somos {engo 2 causa parcial” Ora, que haja seresativos dese tipo, apmes de produzicefttos que dependem s& dees, que 0.5 forgo por perseverar no ser se mega pelo grau de atividade ou potencia posiiva que implica aeséncia de cada ser, tende Frais ou menos, mediante as determinagées plas causasex- temas, a remontar até seu prinelpio, € 0 que por sis6 0 eanicismo nfo podera comportt. Da forma pela qual ee dedusido e da forma como explica 0 desenvolvimento da atuters humana 0 esforgo de cada ser para perseverar em feu ser nfo pode conduzrsenfo exterior e momentancamen- ted inérel concebido como a relizagio de uma cxsénia, finda que rjc toda finaldade externa ela no deiza dein trodurie uma espécie de equivalent da fnalidade interna Esa interpretagao, de resco, peo espinosismo em desacordo ‘com suas premissas muito menos do que se poderia cre; pois 14 Victor Detzos © determinismo de Espinosa ¢ mais geométrico que mecini- «0, ¢ tem seu modelo na relagio interna que deriva do con- ‘cito as propriedades que cla compreende, mais que na rela- ‘lo externa que far um estado depender de outros estados; individualidade, com o esforeo que Ihe pertence, no é um simples encadeamento de fatos: ela & uma definigio singular quese realiza. Eis de que forma o desenvolvimento da natureza hu- ‘mana derivado esforgo de todo ser para pereverar em seu ser; mas hd acordo entre esa coneepsio que parece fazer da tendéncia.afuncio primitiva da alma ea concepsi0 que con- sisce em pér a alma essencialmente como idéia ou conheci- mento, idea sive cognitio? (Erica Il, prop. XXXIV.) A doutsi- na anteriormente sustentada parece exigit que a alma scja

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