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O PRINCPIO DA MONOGAMIA E O CONCUBINATO ADULTERINO

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Por: Tiago de Almeida Quadros Formando pela Universidade Salvador (UNIFACS)

SUMRIO
1. Introduo; 2. Processo histrico de delineamento da famlia; 2.1. Origem da
famlia; 2.2. Crculos sociais e famlia; 2.3. O ncleo familiar e a sua concepo
hodierna; 2.3.1. A dignidade da pessoa humana; 2.3.2. A igualdade entre os
cnjuges; 2.3.3. A ideologia do afeto; 3. O princpio jurdico da monogamia; 4. O
concubinato; 4.1. Conceito; 5. O concubinato adulterino; 5.1. Natureza jurdica; 6.
Concluso.

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Famlias simultneas e concubinato adulterino. Jus
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LBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para alm do numerus clausus. Revista
Brasileira de Direito de Famlia, Porto Alegre, n. 12, p. 40-55, jan./mar., 2002.


1
Este artigo consiste em sinopse da monografia de concluso do curso de Direito, orientada pelo Professor Cristiano
Chaves.


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MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito de Famlia. 1. ed. Campinas: Bookseller
Editora e Distribuidora, 2001. v.1.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 36. ed. So Paulo: Saraiva, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 13. ed. So Paulo: Atlas, 2003.

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Revista Brasileira de Direito de Famlia, Porto Alegre, n. 8, p. 62/69, jan.-fev.-mar., 2001.

TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Temas de direito civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

01. INTRODUO
A concepo acerca da famlia sofreu significantes variaes ao longo dos tempos, tendo esta sido
moldada conforme os anseios de cada poca. Neste processo evolutivo, algumas das suas caractersticas
foram preservadas, outras, por no mais se adequarem realidade social, foram superadas. Tal processo de
adaptao resultou no que hoje se entende por famlia.
Etapa importante do referido processo evolutivo ao qual a famlia vem se submetendo fora
representada pelas inovaes trazidas pela Constituio Federal de 1988, que conferiram status de famlia
unio estvel e aos ncleos monoparentais, pondo-se, desta forma, fim ao conceito matrimonializado de
famlia. Neste diapaso, a afetividade, consubstanciada com a estabilidade (relacionamentos duradouros, o
que exclui os envolvimentos ocasionais) e a ostensibilidade (apresentao pblica como unidade familiar)
passam a servir de lastro para a conceituao da famlia contempornea.
Em face da evoluo jurdica verificada, surgiu no cenrio jurisprudencial e doutrinrio
posicionamentos divergentes no que pertine ao concubinato adulterino. Tais divergncias deram azo s
seguintes indagaes, a serem respondidas pelos juristas ptrios: Continua vigorando o princpio da
monogamia? Pode-se rotular de famlia os envolvimentos concubinrios existentes em paralelo ao casamento
ou unio estvel? Devem-se atribuir efeitos a estas modalidades de envolvimento afetivo? Em caso
afirmativo, quais efeitos? Em torno desta problemtica foram desenvolvidas as linhas que se seguem.


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Os questionamentos antes enumerados refletem o estado de perplexidade em que se encontram os
estudiosos do Direito de Famlia em face das novidades introduzidas neste ramo. As alteraes foram
significativas, todavia, desconhecem-se ao certo os seus limites. Portanto, com o fito de se solidificar as
novas fronteiras impostas ao Direito de Famlia, bem como visando a evitar interpretaes anrquicas,
descomprometidas com uma viso sistemtica, h de se enfrentar o tema com cautela.

2. PROCESSO HISTRICO DE DELINEAMENTO DA FAMLIA
A famlia, na qualidade de ncleo bsico de estruturao da sociedade, representa o resultado da inter-
relao dos homens, sendo que adquire um formato compatvel com os anseios de cada poca. Os seres
humanos, norteados pela busca da sobrevivncia e pelo desejo de alcanar a felicidade, procuram eleger
modelos de organizao social que se coadunem com as suas pretenses. Isto explica as alteraes sofridas
pela famlia ao longo da histria.
A evoluo humana marcada por processos sociais de adaptao ao meio. Estes so fatores
perceptveis que possuem o condo de influir nos rumos a serem tomados pela sociedade. Pontes de Miranda
(2001, v.1, p. 47) enumera sete processos sociais de adaptao, quais sejam, o religioso (a caridade, a
piedade, o devotamento); o moral (critrio do tico e do no-tico); o esttico (valores de beleza); o
gnoseolgico (conhecimento, cincia); o jurdico (justo, injusto, ordem extrnseca); o poltico (organizao,
administrao pblica, ordem intrnseca) e o econmico (til, intil: produo da riqueza).
Dentre os fatores acima elencados, destacam-se, no que se refere estruturao da famlia, os aspectos
religioso, econmico, moral e, por via de conseqncia, o jurdico. Estes, conforme se demonstrar ao longo
da exposio, foram e continuam sendo determinantes no processo de definio da estrutura familiar. Giselda
Hironaka (1999, p.08) menciona tambm o fator instintivo, representante da energia sexual, aspecto de
relevncia impar para a anlise da conformao da famlia.
Constata-se que, no obstante ter sido o ncleo familiar alvo de drsticas modificaes no decorrer da
sua existncia, algumas das suas caractersticas sobreviveram influncia dos processos adaptativos. H,
desta forma, a perpetuao das caractersticas que mantm a sua funcionalidade, sendo estas aproveitadas
pelas geraes vindouras. De outra parte, no tocante aos pontos que no se coadunam com os novos


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paradigmas sociais, estes so eliminados da estrutura familiar. A existncia do indigitado elo, que confere
famlia caractersticas transcendentais, justifica a digresso histrica que se passa a fazer.

2.1. A ORIGEM DA FAMLIA
Identifica-se na evoluo humana, conforme leciona Rodrigo da Cunha Pereira (1997, p.18), trs
etapas distintas: o estado selvagem, a barbrie e a civilizao. Tais fases da existncia humana so divididas
com base em dados histricos. Assim sendo, no estado selvagem, os seres humanos garantiam a sua
sobrevivncia diretamente da natureza, tanto pela coleta de frutos quanto pela caa. Em seguida, na barbrie,
passa a ser introduzida a cermica, a domesticao de animais e a agricultura, acarretando a sedentarizao.
Por ltimo, instaurada a dita civilizao, na qual se destaca a industrializao e a arte.
Dentro do citado processo evolutivo, verifica-se, desde os tempos mais remotos, a existncia de
ncleos familiares. A fim de identif icar quais os moldes originariamente empregados famlia, foram
desenvolvidas teorias, tendo maior destaque as seguintes: a teoria da monogamia originria, a da
promiscuidade primitiva e a teoria das unies transitrias (cf. MIRANDA, 2001, v.1, p. 62/64).
A teoria da monogamia originria foi desenvolvida e defendida por muitos zologos, incluindo
Charles Darwin. Os seus defensores acreditam ser o amor entre os casais, bem como entre pais e filhos,
dados psicolgicos irresistveis, concluindo, por conseguinte, que a espcie humana sempre foi regida por
este impulso instintivo. Tal teoria desconsidera o aspecto sexual, o qual incute no homem o desejo de variar,
a atrao pela novidade, que, caso fosse observado, poria em questo os seus fundamentos. Vislumbra-se,
portanto, no amor filial a razo de ser da famlia, tendo sido esta, j nos primrdios, instituda sob a forma
monogmica.
Tomando por referncia a prtica de algumas espcies animais, desenvolveu-se a teoria das unies
transitrias. De acordo com esta, o homem e a mulher permaneciam juntos apenas por algum tempo aps o
nascimento do filho. A teoria em comento apia-se em premissas as quais so relativizadas pela sociologia
de certos grupos animais, nos quais no h tal permanncia, ou o par sexual continua ligado, a despeito do
desaparecimento ou do afastamento dos filhos.
Outros defendem a teoria da promiscuidade primitiva. Estes, conforme demonstra Srgio Resende de
Barros (2001a, p.05), com muita procedncia, identificam um momento originrio no qual inexistiam regras


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(anomia), imperando a promiscuidade absoluta. Esta fase teria sido seguida pelo matriarcado, vez que os
agrupamentos familiares s podiam ser identificados pelo lado da me, que, ao contrrio do pai, era sempre
certa.. Outro fator apontado como justificativa para a instituio, a priori, do matriarcado seria a
preponderncia da mulher no terreno econmico-profissional, acarretando, consequentemente, a prevalncia
da monogamia. Isto por se entender ser este o modelo familiar preferido pelas mulheres. O patriarcado seria
o ltimo estgio, o qual se estendeu at os dias atuais.
Em consonncia com a ltima das teorias, tem-se, em um primeiro momento, a prevalncia da atrao
natural entre homens e mulheres como motivao das relaes sexuais. Trata-se do que as tribos latinas
denominavam affetio ou affectus, sendo estas ...palavras compostas da preposio ad, que significa para, e
de uma forma nominal do verbo facere que significa fazer. O significado literal feito para traduz o fato
de ser ou estar um feito para o outro, mutuamente. (BARROS, 2001a, p.06). Desta forma, ter-se-ia no afeto
o fundamento dos primeiros ncleos familiares.

2.2. CRCULOS SOCIAIS E FAMLIA
O homem tem a sua existncia marcada pela vida em sociedade, o que implica, obrigatoriamente, na
interao com seus semelhantes. O fenmeno da interao humana, o mesmo que d origem famlia, ocorre
no interior de crculos sociais. Tais crculos sociais, por sua vez, tm a sua conjuntura alterada de acordo com
as peculiaridades de cada ocasio histrica. Oportuna a anlise destes modelos organizacionais a fim de se
compreender o que levou a famlia a adotar as caractersticas hodiernamente perceptveis.
Em termos de classificao, os crculos sociais so distinguidos de acordo com a abrangncia que
possuem. Assim sendo, verifica-se a existncia de crculos mais e menos abrangentes, sendo que os de menor
abrangncia esto contidos nos de maior.
Pelo que indica os estudos antropolgicos, as sociedades primitivas eram organizadas em cls ou
gentes. Nestes crculos sociais, os indivduos se consideravam parentes uns dos outros, isto em funo da
crena de que existia uma ascendncia comum, qual seja, o tteme ou totem. Oportuna a citao dos
esclarecimentos prestados por Rodrigo da Cunha Pereira em relao matria em anlise:
Totem um animal ou, raramente, um vegetal, ou um fenmeno natural (chuva, gua, por
exemplo), ou mesmo um objeto, que mantm uma relao peculiar com o cl, sendo, pois,
o objeto de tabus, proteo e deveres particulares. O totem o antepassado comum do cl,


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ao mesmo tempo que o esprito guardio e auxiliar. Cada cl possui seu totem, e os seus
integrantes tm a obrigao sagrada de no destru-lo. Na relao de subordinao ao
totem est a base de todas as obrigaes sociais e restries morais das tribos. Nos lugares
em que se encontram totens, havia lei contra as relaes sexuais entre pessoas do mesmo
cl, com forte ligao entre totemismo e exogamia, sendo esta ordenao sagrada de
origem desconhecida. (PEREIRA, 1997, p. 21/22)
Ainda dentro da lgica totmica, em um mbito mais abrangente, identifica-se a fratria ou cria. Esta
resultava da unio de cls em derredor de um totem comum. Com esta, amplia-se a lei da exogamia,
vedando-se o envolvimento entre homens e mulheres que pertencessem a cls derivados de fratria comum.
Com o desenvolvimento da agricultura e da pecuria, surgem as tribos. Estas, formadas por fratrias ou
crias que, por sua vez, se constituam de cls ou gentes, foram se aglutinando e se estabelecendo em
determinadas reas, passando, com o tempo, a se apropriarem delas em carter definitivo. Destes terrenos
eram colhidos e cada vez mais produzidos, pelo trabalho, os bens indispensveis sobrevivncia (cf.
BARROS, 2001a, p.06).
Com a sedentarizao, isto , a partir do momento em que os grupos humanos passam a permanecer,
em carter definitivo, em determinadas reas, o fator geogrfico ganha maior relevncia, passando a servir de
critrio na definio dos ncleos familiares, em detrimento da referncia totmica antes adotada. A
importncia da terra para a sobrevivncia das coletividades humanas foi o que justificou o aumento da
preocupao em se manter a propriedade do territrio ocupado entre os membros do grupo. Com isto,
segundo Pontes de Miranda (2001, v.1, p. 55), em vez de mstica, torna-se territorial a soberania.
Com o intuito de perpetuar a propriedade do territrio ocupado nas mos dos membros da famlia que
o habitava, imps-se alteraes nos modelos sociais de relacionamento. Com este objetivo, foram criados
mecanismos capazes de garantir a hereditariedade, ou seja, de se certificar a procedncia dos filhos
concebidos pelas mulheres integrantes das famlias gentlicas. Dentro desta tica, surge a matrimonializao
e a patrimonializao das relaes sexuais, consistindo estas em adaptaes introduzidas no ambiente
familiar com o escopo de se atingir a garantia da hereditariedade e a manuteno dos territrios ocupados.






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2.3. O NCLEO FAMILIAR E A SUA CONCEPO HODIERNA
Na atualidade, a famlia tem sido alvo de profundas reflexes, as quais vm resultando em
modificaes no modo de pens-la e defini-la. No se trata de se questionar a instituio familiar em si, mas,
sim, a forma que adquiriu como resultado do processo histrico antes examinado.
Conforme demonstrado, a famlia tende a se moldar realidade social de cada poca. Com a
imposio legal da igualdade entre homens e mulheres, bem como em virtude da valorizao da pessoa
humana, constatou-se a necessidade de se promover modificaes no modelo familiar herdado de Roma, que
se propagou na histria, impondo as suas caractersticas at os dias atuais, certo que com menor intensidade.
A reformulao do conceito de famlia, desta forma, visa atender s inovaes ocorridas no cenrio social.
O momento atual, portanto, no que concerne ao Direito de Famlia, de transio. Busca-se consolidar
um novo formato a ser conferido famlia, tendo o ordenamento jurdico ptrio passado a sofrer alteraes
significantes, a fim de se adequar aos novos anseios da sociedade. Neste diapaso, a Constituio Federal de
1988 representa um marco evolutivo nesse processo de adaptao, haja vista que ampliou o conceito de
famlia, passando a servir de norte para todas as normas infraconstitucionais.
No captulo da Constituio Federal dedicado famlia, criana, ao adolescente e ao idoso, o qual
abarca os artigos 226 ao 230, verifica-se que a tutela jurdica, antes dedicada apenas ao casamento, passa a
considerar tanto as relaes familiares dele decorrentes quanto outras modalidades, quais sejam, a unio
estvel (art. 226, 3) e as famlias monoparentais (art. 226, 4). A primeira consiste, em conformidade
com o artigo 1.723 do novo Cdigo Civil, na unio entre homem e mulher, caracterizada pela convivncia
pblica, contnua e duradoura, estabelecida com o intuito de constituir uma famlia. A famlia monoparental,
por seu turno, caracteriza-se pela vida em comum de qualquer dos pais com seus descendentes.
Referindo-se supramencionada norma fundamental, Gustavo Tepedino assim se manifesta:
A Constituio Federal, centro reunificador do direito privado, disperso na esteira da
proliferao da legislao especial, cada vez mais numerosa, e da perda de centralidade do
Cdigo Civil, parece consagrar, em definitivo, uma nova tbua de valores. (Tepedino, 2001,
p. 350).
Valendo-se da expresso utilizada pelo consagrado civilista, com a insero de uma nova tbua de
valores no ordenamento jurdico, por intermdio da Constituio Federal de 1988, tornou-se imprescindvel,


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a fim de atender a tais inovaes, a reformulao do conceito de famlia, isto para evitar a ocorrncia de
conflitos dentro do sistema.
O referido conjunto de valores, que hoje prevalece por imposio constitucional, tem por base de
sustentao, principalmente, a valorizao da pessoa humana, implicando, consequentemente, na garantia da
igualdade entre homens e mulheres.

2.3.1. A dignidade da pessoa humana
A Constituio Federal vigente, logo no seu artigo 1, estabelece os princpios fundamentais da
Repblica Federativa do Brasil. Consistem estes em pontos de partida para todas as outras normas
constitucionais, e, por conseguinte, devem influir no teor de todas as normas infraconstitucionais. Dentre
outros aspectos, estabeleceu-se, no seu inciso III, a dignidade da pessoa humana como princpio basilar do
Estado Brasileiro.
Em face do referido princpio, tem-se, conforme salienta Alexandre de Moraes (2003, p. 50), o
afastamento da idia de prevalncia das concepes transpessoalistas do Estado e da nao que possam vir a
ofuscar a liberdade individual. A dignidade da pessoa humana se refere a um valor espiritual e moral inerente
ao indivduo e que ...se manifesta singularmente na autodeterminao consciente e responsvel da prpria
vida e trs consigo a pretenso de respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mnimo
invulnervel que todo estatuto jurdico deve assegurar.
Assim sendo, conforme entende Cristiano Chaves (2003, p.116/117), ao se adotar o princpio da
dignidade da pessoa humana, por representar o mais importante valor reconhecido pela ordem jurdica
brasileira, o ser humano, conseqentemente, foi elevado ao centro de todo o sistema jurdico. Isto significa
que as normas devem atender as suas necessidades e viabilizar sua realizao existencial, devendo garantir-
lhe um mnimo de direitos fundamentais que sejam vocacionados para lhe proporcionar vida com dignidade.
Portanto, no mais suficiente a simples previso do direito vida, exigindo-se a garantia de
uma vida digna. Tal evoluo valorativa obriga os civilistas modernos a adotar uma nova postura, tanto em
relao interpretao quanto aplicao de normas e conceitos jurdicos, assegurando assim a vida humana
de forma integral e prioritria.




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2.3.2. A igualdade entre os cnjuges
As normas jurdicas pertinentes famlia, desde os tempos mais longnquos, vinham perpetuando toda
sorte de desigualdade, tanto entre os filhos quanto, principalmente, entre os cnjuges. A estrutura patriarcal
restou por disseminar preconceitos, os quais passaram a representar a regra das relaes jurdicas travadas
sob o manto deste ramo do direito, consolidando assim a prevalncia da figura masculina.
Nem mesmo com o advento do Liberalismo, movimento este fundamentado, dentre outros princpios,
no da igualdade, conseguiu-se reverter a realidade desigual incrustada no ambiente familiar. O referido
movimento poltico-ideolgico, no obstante ter conseguido estabelecer a igualdade formal nas relaes
sociais e econmicas, em nada atenuou a opresso do homem em relao mulher. Estabeleceu-se, conforme
indica Paulo Lobo (in: PERREIRA, coord., 1997, p.222), a liberdade do ter mas no a do ser.
O processo histrico rumo obteno da igualdade entre homens e mulheres tem se desencadeado de
forma muito lenta. Esta assertiva pode ser comprovada, por exemplo, ao se considerar que, no Brasil, at
1962, a mulher que se encontrasse em gozo do matrimnio era considerada relativamente incapaz, situao
alterada apenas com o advento do Estatuto da Mulher casada, documento jurdico que afastou tal
discrepncia. Portanto, praticamente dois sculos aps a Revoluo Francesa ainda se admitia a imposio
legal de um status inferior mulher.
A valorizao da dignidade humana e a sua previso como fundamento da Constituio Federal
vigente, conforme visto no item anterior, imps a desestruturao da hierarquia familiar at ento arraigada
nas relaes mantidas entre os diferentes sexos. Isto porque uma existncia digna no se coaduna com a
imposio de hierarquias entre homens e mulheres. No por outro motivo, a prpria Constituio, no seu
artigo 226, 5, estabelece que os direitos e deveres referentes sociedade conjugal so exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher.
Em consonncia com o texto constitucional, o novo Cdigo Civil, confirma, reiteradamente, a
extino da hierarquia conjugal, conforme se depreende dos artigos abaixo citados:
Art. 1.511. O casamento estabelece comunho plena de vida, com base na igualdade de
direitos e deveres dos cnjuges.
[...]
Art. 1.567. A direo da sociedade conjugal ser exercida, em colaborao, pelo marido e
pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.
Pargrafo nico. Havendo divergncia, qualquer dos cnjuges poder recorrer ao juiz, que
decidir tendo em considerao aqueles interesses.
[...]


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Art. 1.630. Os filhos esto sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.
Art. 1631. Durante o casamento e a unio estvel, compete o poder familiar aos pais; na falta
ou impedimento de um deles, o outro o exercer com exclusividade.
Pargrafo nico. Divergindo os pais quanto ao exerccio do poder familiar, assegurado a
qualquer deles recorrer ao juiz para soluo do desacordo.
Em face do exposto, no resta qualquer dvida quanto igualdade de direitos e deveres hoje vigentes
nas relaes travadas entre homens e mulheres. Tanto assim que, na relao conjugal, a vontade do homem
e da mulher encontram-se no mesmo patamar hierrquico, havendo a necessidade de se convocar o Estado
Juiz nos casos em que houver divergncias.

2.3.3. A ideologia do afeto
Os atos e conceitos adotados pela humanidade encontram-se justificados por um conjunto de idias, o
qual reflete os interesses e anseios de um determinado grupo ou indivduo. H, no ntimo dos agentes sociais,
crenas e pensamentos que os levam a optar por determinados comportamentos e traar metas, sempre com o
intuito de atingir um ideal. Este conjunto de princpios que impulsiona o homem e justifica os seus atos
denominado de ideologia.
Portanto, os fenmenos sociais, dentre eles a famlia, sofrem influncia direta da ideologia prevalente,
sendo esta responsvel pela definio do seu conceito e justificativa dos moldes que possui. Assim sendo,
para se superar o conceito tradicional de famlia, a fim de se admitir outros modelos familiares, a exemplo da
unio estvel da famlia monoparental, tem-se buscado alterar a sua base ideolgica de sustentao.
A ideologia tradicional da famlia, a qual vem sendo superada, fundamenta-se no seguinte raciocnio:
... o elemento basilar da sociedade no o indivduo, mas sim a entidade familiar
monogmica, parental, patriarcal, Isto , a tradicional famlia romana, que veio a ser
recepcionada pelo cristianismo medieval, que reduziu a entidade familiar famlia nuclear
e consagrou como famlia-modelo a Sagrada Famlia: pai (Jos). Me (Maria) e filho
(Jesus). (BARROS, 2001b, p.08)
A Constituio Federal de 1988, embora tenha buscado tutelar o indivduo, confere famlia, no artigo
226 caput, o ttulo de base da sociedade. Dentro desta lgica, teramos uma sociedade constituda por
famlias e no por indivduos, o que, conforme demonstrado ao se analisar o princpio da dignidade da
pessoa humana, no parece ser uma concluso verdadeira.


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Deveras, a norma jurdica, ao tutelar a famlia, o faz de forma mediata, tendo por objetivo maior
garantir um ambiente saudvel para o desenvolvimento dos indivduos. Antes se acreditava que as unies
matrimonializadas eram as nicas capazes de conferir s pessoas uma existncia digna, raciocnio este j
ultrapassado, vez que a prpria Constituio Federal de 1988 conferiu unio estvel e aos ncleos
monoparentais o status de famlia. Confirma-se, desta forma, a quebra do modelo nico antes vigente.
Saliente-se, conforme atesta Paulo Luiz Netto Lobo (2002, p.43), que a liberdade de escolher qual o modelo
familiar que se pretende adotar, por si s, consiste em uma faceta do princpio da dignidade da pessoa
humana.
A admisso de outros modelos familiares que no o lastrado no casamento resultado da alterao da
base ideolgica de sustentao da famlia. Procura-se hoje considerar a presena de vnculo afetivo como
fator determinante para a enumerao dos ncleos familiares. O afeto que, conforme j demostrado, havia
sido desprezado em razo de fatores histricos, volta, hodiernamente, a ganhar papel de destaque no Direito
de Famlia. Busca-se identificar a existncia da famlia sempre que estejam presentes os elementos
afetividade, estabilidade (relacionamentos com durao significante, estando excludos os envolvimentos
ocasionais) e a ostensibilidade (a apresentao pblica como unidade familiar).
No que concerne ao novo tratamento conferido afetividade pelo ordenamento ptrio, Paulo Luiz
Netto Lbo, mais uma vez, se posiciona com muita propriedade, a saber:
O princpio da afetividade tem fundamento constitucional; no petio de princpio, nem
fato exclusivamente sociolgico ou psicolgico. No que respeita aos filhos, a evoluo dos
valores da civilizao ocidental levou progressiva superao de fatores de discriminao,
entre eles. Projetou-se, no campo jurdico-constitucional, a afirmao da natureza da
famlia como grupo social fundado essencialmente nos laos de afetividade, tendo em vista
que consagra a famlia como unidade de relaes de afeto, aps o desaparecimento da
famlia patriarcal, que desempenhava funes procracionais, econmicas, religiosas e
polticas.
[...]
Se a Constituio abandonou o casamento como nico tipo de famlia juridicamente
tutelada, porque abdicou dos valores que justificavam a norma de excluso, passando a
privilegiar o fundamento comum a todas as entidades, ou seja, a afetividade, necessrio
para a realizao pessoal de seus integrantes. (LBO, 2002, p. 46/47)
Admitida a afetividade como elemento essencial dos vnculos familiares, resta saber at que ponto os
relacionamentos humanos nos quais tal sentimento esteja presente podem vir a ser rotulados de famlia,
sendo, consequentemente, abarcados pelas normas jurdicas que tutelam os indivduos que a constituem. Isto
, o prximo desafio consiste em definir qual a atual abrangncia do Direito de Famlia.


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03. O PRINCPIO JURDICO DA MONOGAMIA
Familiaristas de renome nacional tm defendido a adoo de um conceito extremamente amplo para a
famlia, identificando a sua presena em toda e qualquer relao em que esteja presente o elemento
afetividade. Buscam, destarte, afastar a utilizao de qualquer critrio que possa resultar em eventual
discriminao
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. Contudo, ao assim procederem, acabam desrespeitando limites impostos pelo prprio
sistema. A lgica adotada pelos referidos autores autoriza a atribuio do status de famlia aos
envolvimentos concubinrios existentes em paralelo ao casamento ou unio estvel, afrontando, por
conseguinte, o vigente princpio da monogamia.
Afastar os preconceitos que a tanto se encontram incrustados no Direito de Famlia um compromisso
que os estudiosos contemporneos devem assumir. Todavia, tal mxima no deve legitimar comportamentos
precipitados, os quais resultam no atropelo das normas jurdicas estabelecidas. Assim o pelo fato de que
algumas das limitaes s quais o referido ramo do direito se submete no so fruto de preconceitos, e sim de
princpios jurdicos vigentes, mais precisamente, no caso em apreo, do j citado princpio jurdico da
monogamia.
Ao longo do processo evolutivo ao qual a famlia se submeteu, algumas das suas caractersticas se
tornaram obsoletas, tendo, em razo disto, sido descartadas. Foi, por exemplo, o que ocorreu com a
prevalncia da figura masculina e com a viso matrimonializada da famlia. Por outro lado, determinados
elementos, certamente por continuarem a se coadunar com os anseios sociais, foram mantidos pelo
legislador. Dentre os elementos que foram mantidos, encontra-se a monogamia.
Com efeito, entende-se por monogamia o sistema de constituio familiar pelo qual o homem possui
uma s esposa ou companheira e a mulher apenas um nico marido ou companheiro.
Deveras, o princpio da monogamia consiste em uma premissa indiscutvel, sendo que toda a estrutura
do Direito de Famlia, ao ser construda, tomou-o como referncia. Tanto assim que a melhor doutrina

2
Conferir Ivone Souza e Maria Berenice Dias (2001, p. 68), para quem: A nenhuma espcie de vnculo que tenha por
base o afeto se pode deixar de conferir o status de famlia, merecedora da proteo do Estado, pois a Constituio
Federal, no inc. III do art. 1 , consagra, em norma ptrea, o respeito dignidade da pessoa humana. No mesmo
sentido, Paulo Luiz Netto Lobo (2002, p. 50/51): Sujeitos dos deveres so o Estado, a famlia e a sociedade, que
devem propiciar os meios de realizao da dignidade pessoal, impondo-se-lhes o reconhecimento da natureza de


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sequer questiona a sua existncia.
3
A ttulo de ilustrao, citam-se, respectivamente, Washington de Barros
Monteiro e Rodrigo da Cunha Pereira, autores que, apesar de representarem geraes distintas, comungam o
mesmo entendimento, seno vejamos:
Em todos os pases em que domina a civilizao crist, a famlia tem base estritamente
monogmica, que, no dizer de Clvis, o modo de unio conjugal mais puro, mais
conforme os fins culturais da sociedade e mais apropriado conservao individual, tanto
para os cnjuges como para a prole. A monogamia constitui a forma natural de
aproximao sexual da raa humana. (MONTEIRO, 2001, v.2, p.54)
Rodrigo da Cunha Pereira, por sua vez, defende:
Comea-se, ento, a fazer distines atravs das expresses concubinato puro e
concubinato impuro. Essas expresses veiculam estigmas morais com as quais no se
pode concordar. Porm, necessrio fazer uma distino entre concubinato adulterino e no
adulterino. Tal distino no tem a funo de discriminar ou de moralizar. A importncia
desta distino est em manter a coerncia em nosso ordenamento jurdico com o princpio
da monogamia. Se assim no o fizssemos, estaramos destruindo um princpio jurdico
ordenador da sociedade. Todo o Direito de Famlia est organizado em torno desse
princpio, que funciona, tambm, como um ponto-chave das conexes morais. (DIAS e
PEREIRA, 2002, p. 231)
Do exposto, constata-se que a monogamia, ao contrrio do que alguns possam pensar, no consiste em
simples regra atinente moral. Trata-se, em verdade, de dogma imposto pelo prprio ordenamento jurdico,
e, por conseguinte, no se resume a uma sugesto proposta aos indivduos.
A moral, como sabido, estabelece regras indicativas, cujo descumprimento resulta apenas em
reprimendas por parte da sociedade ou em um possvel desconforto pessoal, em razo de se estar agindo em
desconformidade com o consenso individual e coletivo. As normas jurdicas, de outra parte, so impositivas,
no sendo oferecida escolha, e a conduta que as afronte implica na configurao do ilcito, seja de natureza
penal ou civil.
No que pertine monogamia, a sua no observao resulta na violao de normas tanto de natureza
civil, quanto penal.
No plano cvel, o novo Cdigo Civil estabelece, no seu artigo 1.521, VI, a existncia de vnculo
matrimonial anterior como impedimento para casar, ou seja, prev que as pessoas unidas por vnculo

famlia a todas as entidades com fins afetivos. A excluso de qualquer delas, sob impulso de valores outros, viola o
princpio da dignidade da pessoa humana.
3
Confirmando a assertiva, Orlando Gomes (2000, p. 93), In verbis: O impedimento de vnculo deriva da proibio da
bigamia. No se trata, a rigor, de impedimento, no ser casado um pressuposto para contrair npcias justas e quem
casado no pode casar com outra pessoa qualquer. [...] O impedimento funda-se no princpio da monogamia. No


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matrimonial encontram-se impedidas de celebrar outro casamento. Ao se referir unio estvel, o legislador,
no artigo 1.723, 1 do mesmo diploma legal, adota a mesma regra, ao estabelecer que a unio estvel no
se constituir se ocorrerem os impedimentos do art. 1521; no se aplicando a incidncia do inciso VI no caso
da pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. Observe-se a pertinente ressalva contida na
ltima parte da norma citada, a qual permite o reconhecimento de unio estvel nos casos de separao
judicial ou de fato. Fica evidente que se objetiva evitar apenas a ocorrncia de envolvimentos concubinrios
concomitantes ao efetivo gozo do casamento ou da unio estvel, no se buscando tutelar, portanto, o
matrimnio per si.
O desrespeito ao modelo monogmico implica, nos casos de duplo casamento, a nulidade de pleno
direito daquele realizado por ltimo. Em se tratando de posterior envolvimento afetivo no oficializado, a
existncia e gozo efetivo de prvio casamento ou unio estvel desautoriza seja este envolvimento abarcado
pelas previses legais pertinentes unio estvel.
No mbito do direto penal, ramo reservado tutela dos bens jurdicos tidos como fundamentais para a
sociedade, mantm-se as normas voltadas preservao do modelo monogmico. Malgrado os
posicionamentos favorveis descriminalizao da bigamia e do adultrio, tais condutas continuam
tipificadas, respectivamente, nos artigos 235 e 240 do Cdigo Penal. Aquele artigo impe uma pena de dois a
seis anos de recluso a quem, sendo casado, contrair novo casamento. Este estabelece que a violao da
fidelidade conjugal implica uma pena de quinze dias a seis meses de deteno.
Em face do exposto, surge a necessidade de se compreender o instituto do concubinato, nos
interessando, mais especificamente, o concubinato adulterino. Isto a fim de se definir, com coerncia, a sua
posio dentro do ordenamento jurdico.

04. O CONCUBINATO
4.1. CONCEITO
A expresso concubinato, etimologicamente, deriva do vocbulo latino concubinatus, o qual, ainda na
antigidade, significava mancebia, amasiamento, abarregamento. Verifica-se tambm uma influncia direta

mesmo sentido, Caio Mrio da Silva Pereira (2002, v. 5, p.67), a saber: Tendo em vista o tipo monogmico
dominante no mundo social, constitui impedimento a existncia de um casamento anterior.


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do verbo concumbo, de origem grega, que indica a ao de dormir com outra pessoa, copular, ter relao
carnal, estar na cama (AZEVEDO, 2001, p.2001).
Da referida definio etimolgica derivam duas vertentes conceituais distintas. A primeira dotada de
um sentido lato, restando por abarcar todas as modalidades de envolvimentos afetivos, entre homens e
mulheres, que no estejam lastrados no casamento. Ou seja, sob uma tica mais abrangente, considerado
concubinato toda e qualquer forma de unio sexual livre. Conforme salienta Moura Bittencourt (1969, v.1,
p.63) : No sentido amplo do concubinato, que desde a posse do estado de casado, com notoriedade e de
longos anos, at a unio adulterina, tudo se inclui na conceituao. Tudo, nesta ou naquela condio
concubinato.
Ao se esmiuar a citada definio, vem a lume, em um plano mais detalhado, a segunda vertente
conceitual. Nesta, pode-se identificar a presena de dois subgrupos dotados de caractersticas prprias, quais
sejam, o concubinato puro ou honesto e o concubinato impuro, abrangendo este ltimo o incestuoso e o
adulterino.
Entende-se por concubinato puro a modalidade de envolvimento afetivo, entre homem e mulher, que
obedea aos ditames sociais. Trata-se de verdadeiro casamento no oficializado, vez que atende a todas as
condies impostas sua celebrao, os envolvidos se comportam como se casado fossem, lhes faltando
apenas o reconhecimento estatal.
O concubinato impuro, por sua vez, refere-se a todo e qualquer envolvimento afetivo, entre homem e
mulher, que se estabelea em afronta s condies impostas ao casamento, condies estas materializadas
nos impedimentos matrimoniais. Isto , ser considerado impuro o vnculo mantido entre ascendentes e
descendentes; afins em linha reta; entre o adotante e o cnjuge do adotado e o adotado com o cnjuge do
adotante; entre os irmos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, at o terceiro grau inclusive; e do
adotado com o filho do adotante. Tais hipteses, as quais encontram-se previstas no artigo 1521 do Cdigo
Civil, incisos I ao V, caracterizam o concubinato incestuoso.
Tambm rotulada de impura a relao concubinria mantida entre o cnjuge sobrevivente com o
condenado por homicdio ou tentativa de homicdio contra o seu consorte Cdigo Civil, art. 1521, VII. O
mesmo ocorre em relao s pessoas que se encontrem no gozo de vnculo matrimonial. Estas, ao se
relacionarem extramatrimonialmente, o faro pelo vis do concubinato impuro, mais especificamente,


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estaro a praticar o concubinato adulterino, isto em face da violao do impedimento previsto no artigo
1.521, VI do Cdigo Civil.
Ressalte-se que, com o advento da Constituio Federal de 1988 e do novo Cdigo Civil houve uma
alterao na nomenclatura empregada s modalidades de concubinato. O concubinato puro passou a ser
chamado de unio estvel, tendo sido elevado ao status de entidade familiar, restando o termo concubinato
para todas as modalidades de concubinato impuro, conforme se depreende da anlise do artigo 226, 3 da
Constituio Federal, combinado com os artigos 1.723, caput e 1; e 1.727 do Cdigo Civil.
Mesmo tendo em vista a citada alterao de nomenclatura, para fins didticos, de grande valia a
referncia classificao anterior, razo pela qual, ao longo do texto, ser utilizada o termo concubinato
adulterino.
Das diferentes modalidades de concubinato antes expostas, ter-se- por objeto o concubinato
adulterino.

05. O CONCUBINATO ADULTERINO
J tendo sido abordadas, quando da conceituao do concubinato, as diferentes formas que este
instituto pode vir a adquirir, cumpre, nesta oportunidade, nos atermos questo controversa que se busca
enfrentar, qual seja, a posio do concubinato adulterino denominado apenas de concubinato pelo novo
Cdigo Civil dentro do ordenamento jurdico ptrio.
Contudo, em face do emaranhado de casos concretos perceptveis no meio social, os quais em muito se
diferenciam, urge, de antemo, especificar qual o entendimento que se tem acerca do concubinato adulterino.
Desta forma, espera-se obter uma clara individualizao do tema sob anlise, evitando que os casos variados,
aos quais a doutrina e a jurisprudncia fazem referncia, possam vir a causar confuses.
Entende-se estar configurada a existncia do concubinato adulterino nos casos em que se verifique a
presena de envolvimento afetivo, entre homem e mulher, em paralelo ao casamento ou unio estvel. Ou
seja, ser concubinato adulterino a relao amorosa com terceira pessoa, mantida por homem ou mulher que
se encontre efetivamente em gozo de casamento ou unio estvel. Para tanto, faz-se necessrio tambm que o
terceiro envolvido no tringulo amoroso tenha conscincia da sua condio de amante e que seja possvel se
identificar, dentre as relaes paralelas, aquela que, devido s circunstncias, represente o ncleo principal.


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Destarte, no h motivos para se considerar adulterino o relacionamento afetivo no qual um ou ambos
os envolvidos encontrem-se separados de fato ou judicialmente, inclusive devido expressa previso contida
no artigo 1.723, 1, do Cdigo Civil vigente. O referido dispositivo legal estabelece no ser bice
configurao da unio estvel o fato do companheiro, apesar de casado, no se encontrar efetivamente em
gozo da relao matrimonial.

5.1. NATUREZA JURDICA
A definio da natureza jurdica do concubinato adulterino consiste no ponto nevrlgico de toda a
abordagem que ora se realiza. Em verdade, trata-se de condio indispensvel para se identificar a posio
do modelo de relacionamento afetivo em comento dentro do ordenamento jurdico ptrio. O principal desafio
consiste em verificar se tal instituto pertence ao direito de famlia.
Iniciando a perquirio de respostas para as indagaes acima apresentadas, faz-se oportuna a
referncia ao posicionamento externado por Carlos Cavalcanti Albuquerque (2002, p. 04 e 09),

para quem o
concubinato adulterino consiste em uma espcie de entidade familiar, considerando a sua excluso como
uma afronta aos preceitos constitucionais. Portanto, para ele, tal modalidade de relacionamento afetivo
encontra-se inserido no mbito do direito de famlia.
Paulo Luiz Netto Lobo (2002, p.53) tambm comunga do ponto de vista de que no se deve traar
distines entre os ncleos fruto de envolvimento adulterino e as demais formas de entidades familiares. O
referido autor, ao comentar acrdo proferido pelo Superior Tribunal de Justia que determinou o
fracionamento em partes iguais de indenizao securitria entre a esposa e a concubina, as quais mantinham
relacionamento concomitante com o de cujus, defendeu o acerto da deciso.
Na mesma linha de raciocnio, tem-se a tese recentemente defendida pela desembargadora Maria
Berenice Dias ao apreciar a apelao cvel n. 70005330196, proveniente da comarca de Erechim/RS. Diante
de um caso concreto em que restou comprovado o concomitante envolvimento afetivo do apelado com a sua
legtima esposa e a sua amante, a magistrada, citando voto que proferira anteriormente, em julgamento no
qual tambm fora relatora, defende a incluso do concubinato adulterino como parte integrante do conceito
legal de unio estvel, e, portanto, pertencente ao direito de famlia, nos seguintes termos:


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Com o desenvolvimento da sociedade, o conceito de famlia sofreu uma profunda alterao,
alterao esta a que foi sensvel a jurisprudncia que acabou se revelando como um fator
decisivo para que as relaes chamadas esprias passassem a merecer o tratamento de
concubinrias, sendo inseridas na rbita jurdica, acabando por serem aladas rbita
constitucional como entidade familiar.
Ora, se agora ningum mais identifica como famlia o relacionamento sacralizado pelo
matrimnio, se o conceito de famlia alargou-se para albergar os vnculos gerados
exclusivamente da presena de um elo afetivo, mister concluir que o amor tornou-se um
fato jurdico, passando a merecer proteo legal.
Se agora mudaram os paradigmas da famlia, no mais se pode deixar de enlaar no seu
conceito todos os vnculos afetivos. Hoje, o toque que leva a inserir ou no o
relacionamento no mbito do Direito de Famlia o afeto, independente da sacralizao da
unio, da finalidade procriativa e at do sexo dos seus integrantes. Basta lembrar as famlias
monoparentais para no se adentrar nos vnculos que prefiro chamar, no de homossexuais ,
mas homoafetivos.
Assim, merece ser reconhecido que se est frente a um novo conceito de famlia, em que
basta a existncia de um vnculo afetivo para assim nomin-la.
No entanto, para que se obtenha o reconhecimento de uma entidade familiar, nos moldes
postos na lei, basta se identificar a presena dos pressupostos da lei, nos quais no se
encontra nem a exclusividade e nem o dever de fidelidade para a sua configurao.
Sequer a Constituio Federal ou a legislao ora vigorante, que define a unio estvel (Lei
9.278/96), fazem qualquer distino a respeito do estado civil do par ou estabelece a
fidelidade ou exclusividade como pressuposto para o seu reconhecimento. Evoluiu o
legislador ao no mais estabelecer como requisito extrao de efeitos jurdicos do vnculo
afetivo a existncia de impedimentos dos companheiros.
Igualmente, no distinguiu a lei o concubinato puro ou impuro, bem como jamais deixou de
albergar este ltimo, tambm chamado de adulterino, no conceito legal de unio estvel.
Portanto, nem a falta de convivncia sob o mesmo teto nem a circunstncia de um deles
manter relacionamento, de qualquer natureza, com outra pessoa so impedientes para o
reconhecimento da existncia da unio estvel. (RIO GRANDE DO SUL.TJ/RS. 7 Cmara
Cvel. Apelao cvel n. 70005330196/2002. Relatora Des. Maria Berenice Dias. Porto
Alegre, 07 de maio de 2003.)
Em que pese a autoridade da referida magistrada, com a devida vnia, no nos parece ser este o
entendimento mais correto. Realmente, conforme antes exposto, o conceito de famlia vem sofrendo
adaptaes significativas, o que proporcionou o alargamento, mediante previso constitucional, do rol dos
modelos de relacionamentos tidos como pertencentes ao mbito do direito de famlia, a exemplo do que
ocorreu com a unio estvel e com os ncleos monoparentais. certo tambm que o processo de
transmutao pelo qual passa a famlia tem por principal justificativa a valorizao do afeto, elemento este,
atualmente, considerado fundamental. Todavia, tais premissas no possuem o condo de afastar a
aplicabilidade do princpio jurdico da monogamia.
Com efeito, a concluso a que chega a magistrada no voto acima citado de que o ordenamento
jurdico ptrio no estabelece como pressuposto para a configurao da unio estvel a exclusividade soa
um tanto descabida. Caso assim fosse, como se explicaria a previso contida no artigo 226, 3 da
Constituio Federal de 1988, que determina que a lei dever facilitar a converso da unio estvel em


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casamento? Certamente no ser possvel em respeito ao artigo 1.521, VI do Cdigo Civil converter uma
relao afetiva concubinria em casamento, e, por conseguinte, no nos parece poder ser considerada unio
estvel o que no se pode converter em casamento.
4
A no ser que se aplique a mesma lgica para se
concluir que no h exigncia de exclusividade em relao ao casamento, o que soaria ainda mais ilgico,
afrontando todos os argumentos, j mencionados, que do suporte ao princpio da monogamia.
A atribuio do status de famlia unio estvel partiu do pressuposto de que este modelo familiar
deve tomar por referncia as relaes matrimonializadas, dispensando-se apenas o formalismo prprio do
casamento. Isto porque a inteno do constituinte foi adequar o direito realidade nacional e no promover
uma revoluo, de forma implcita, em toda a base de sustentao do Direito de Famlia. No h como se
admitir que um novo modelo, que deve observar os princpio aplicveis a um anterior, possa vir a desvirtuar
por completo o instituto paradigmtico.
Deveras, a quebra do modelo matrimonializado de famlia consiste em uma verdade insofismvel.
Entretanto, a superao deste modelo nico no implica a exposio do Direito de Famlia a toda e qualquer
demonstrao de afeto. A famlia, ainda que tenha se desvencilhado dos elementos religioso e formalstico,
ainda carrega no seu bojo o elemento estabilidade. Constituir uma famlia ainda significa optar por uma
relao estvel, a qual marcada pela comunho de esforos em prol de um ncleo que transcende ao plano
individual.
Neste diapaso, sem sombra de dvidas, as relaes adulterinas so causa de desestabilizao das
relaes familiares. Isto , consistem na negao do que se entende, no mundo ocidental, por famlia. O
concubinato adulterino representa a prevalncia de interesses individuais, os quais muitas vezes no passam
de mera satisfao sexual, em detrimento do grupo, frustrando-se as expectativas tanto do consorte
entenda-se em sentido lato, a fim de abarcar a esposa, o marido, o companheiro ou a companheira quanto
dos filhos. Assim sendo, no h espao no Direito de famlia para o concubinato adulterino.

4
Neste sentido, BRASIL. Tribunal Regional Federal (2 Regio). 2 Turma. . Apelao cvel n. 262934 RJ
(2001102010142708). Relator: Juiz Cruz Netto. 29 de maio de 2002. No se pode admitir que uma constituio que
traduz em captulo especial a preocupao do Estado quanto fa mlia, trazendo-a sob o seu manto protetor, desejasse
debilit-la e permitir que unies adulterinas fossem reconhecidas como unies estveis, hiptese em que teramos
bigamia de direito (TJERJ AC n. 1999.001.122920). Em uma sociedade monogmica, o ordenamento no protege
o concubinato adulterino, relao paralela ao matrimnio. A caracterizao da unio estvel depende, inicialmente, da
falta de impedimento de ambos os companheiros em estabelecer a relao.


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Tanto assim que o voto antes transcrito restou vencido. O desembargador Jos Carlos Teixeira
Giorgis manifestou-se nos seguintes termos: Como sustentado em outros votos, no consigo admitir a
ocorrncia de duas entidades familiares legitimadas, ou seja, dois casamentos, duas unies estveis ou uma
unio estvel concomitante ao matrimnio. J o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, complementando
o julgamento, aduziu:
...no cabe o reconhecimento de unio estvel, sendo qualquer dos integrantes da relao
casado, na constncia do casamento.
[...]
Veja-se o art. 550 do Novo Cdigo, que veda doaes do adltero ao seu cmplice, sendo o
prazo de dois anos para a sua anulao; art. 1642, inc. V, que autoriza que o cnjuge
reivindique os bens doados ou transferidos pelo outro ao concubino, sem que para esta
reivindicao necessite de autorizao do outro, e, terceiro dispositivo, o art. 1.801, inc. III,
que probe expressamente que o concubino de testador casado seja nomeado herdeiro ou
legatrio.
Ora, se desses dispositivos no se extrai a vedao do concubinato, que no Cdigo o
concubinato adulterino, no atino o que seja vedao.
So regras claramente sancionatrias do concubinato, agora vis to, legalmente no Novo
Cdigo, apenas como relao adulterina tpica pela definio do art. 1.727, e que, por isso,
no pode ser confundida com a entidade familiar merecedora da proteo jurdica ordenada
pelo art. 226, 3, da Constituio Federal, ao menos que seja alterado o modelo
monogmico de famlia vigente, no apenas no Brasil, como em toda a civilizao
ocidental. (RIO GRANDE DO SUL.TJ/RS. 7 Cmara Cvel. Apelao cvel n.
70005330196/2002. Relatora Des. Maria Berenice Dias. Porto Alegre, 07 de maio de 2003.)
A deciso citada no consiste em julgamento isolado. Em verdade, em outras oportunidades este
mesmo entendimento j fora externado por magistrados brasileiros, no sentido denegar a insero do
concubinato adulterino no bojo do Direito de Famlia.
5

A tese ora defendida tambm encontra sustentao na doutrina, sendo compartilhada por expoentes do
Direito Civil ptrio, a exemplo do Professor lvaro Villaa de Azevedo (2001, p. 211), para quem o
concubinato puro deve merecer, por parte do Estado, completa proteo e regulamentao legal, j o impuro
ou concubinagem, no deve merecer apoio dos rgos pblicos e, mesmo, da sociedade.

5
Neste sentido: RIO GRANDE DO SUL. TJ/RS. 2 Cmara Especial Cvel. Apelao cvel n. 7000457291/2002.
Relatora Des. Ana Beatriz Iser. Porto Alegre, 11 de novembro de 2002.: Reconhecido o concubinato, do tipo
adulterino, sendo do conhecimento da amsia a condio de homem casado do concubino, impossvel a
caracterizao da unio estvel nos termos previstos na Lei n. 9.278/96, bem como inadmissvel a pretenso de
indenizao concubina, visto no serem ressarcveis monetariamente as relaes afetivas.; RIO GRANDE DO
SUL. TJ/RS. 7 Cmara Cvel. Apelao cvel n. 70002522027/2001. Relator Des. Srgio Fernando de Vasconcellos.
Porto Alegre, 13 de junho de 2001.: Mesmo que o relacionamento tenha perdurado no tempo, no configurou unio
estvel, cuja caracterstica assemelhar-se ao casamento, indicando uma comunho de vida e de interesses, que
sugere a existncia de affectio maritalis, e tambm propsito de edificar uma famlia. No possvel reconhecer
unio estvel paralela ao casamento, e o concubinato adulterino no tem proteo legal. O mero relacionamento
afetivo e sexual, clandestino e sem vida em comum, no agasalha pedido de alimentos.


21
No mesmo sentido se manifesta Rodrigo da Cunha Pereira. Valorizando o princpio da monogamia,
considera incongruentes os argumentos que buscam atribuir guarida ao concubinato adulterino dentro do
direito de famlia, seno vejamos:
[...] o direito no protege o concubinato adulterino. A amante, amsia, ou qualquer outra
nomeao que se d pessoa que, paralelamente ao vnculo de casamento, mantm uma
outra relao uma segunda ou terceira [...] ela ser outra, ou outro, que no tem lugar em
uma sociedade monogmica. Alguns autores preferem nomear essas relaes como
concubinato impuro, em oposio ao concubinato puro, ou honesto [...] ou aqueles
em que no h impedimento legal para o estabelecimento da relao. impossvel ao
Direito proteger as duas situaes concomitantemente, sob pena de contradizer todo o
ordenamento jurdico.(PERREIRA, 1995, p. 74-75)
Cumpre salientar, devido aos estreitos laos que o direito de famlia mantm com outras searas do
conhecimento humano a exemplo da sociologia, filosofia, moral e religio , o carter jurdico dos
argumentos antes elencados. No se trata de iniciativa saudosista, impulsionada por uma eventual
identificao e valorizao da moral e dos bons costumes. Pelo contrrio, trata-se de reconhecer os pontos
nos quais o Direito de Famlia legitimamente evoluiu e redefinir as suas novas fronteiras, no
desconsiderando a existncia de uma base de sustentao que lhe confere identidade. Tal base de
sustentao, na qual se encontra inserido o princpio da monogamia, impede que a famlia seja confundida
com determinados modelos de envolvimento afetivo, a exemplo do concubinato adulterino.

06. CONCLUSO
As adaptaes s quais o conceito de famlia fora submetido, ao longo de sua evoluo histrica,
possibilitaram que o afeto, elemento desconsiderado pelo modelo tradicional, voltasse a ocupar uma funo
relevante, dando origem ao que a doutrina chama de ideologia do afeto. Reconhecendo a importncia do
elemento afetividade, em detrimento do formalismo antes imperante, o constituinte de 1988 ampliou o
conceito de famlia, a fim de nele englobar as unies estveis e ncleos monoparentais.
Todavia, atualizar o conceito de famlia no implica se desconsiderar todas as caractersticas do
modelo anterior, e sim apenas desprezar os aspectos que no mais se coadunem com a realidade. Neste
diapaso, a monogamia um elemento que sobreviveu aos efeitos do tempo, tendo sido acolhido pela
sociedade hodierna e, por esta razo, mantido pelo ordenamento jurdico ptrio.


22
Dentro deste quadro evolutivo, marcado pela valorizao do afeto e superao de formalismos,
conforme dito, preservou-se a vigncia do princpio jurdico da monogamia, por se vislumbrar nele um dos
sustentculos de todo o Direito de Famlia ocidental. Isto porque o modelo monogmico ainda o que
melhor atende s aspiraes da sociedade contempornea, garantindo a estabilidade necessria educao da
prole e ao desenvolvimento do homem na qualidade de agente econmico, poltico e cientfico.
Se no passado a monogamia consistia num meio de se garantir a descendncia e, conseqentemente, a
manuteno do patrimnio entre os membros da famlia, hoje tal modelo se justifica pelos benefcios que
propicia. Para se atingir uma existncia digna, exige-se que as relaes afetivas sejam dotadas de um mnimo
de estabilidade, que, dentro da cultura ocidental, no h como ser atingida atravs da poligamia.
Neste contexto, o concubinato adulterino, por representar a negao ao princpio da monogamia,
consiste em modelo de envolvimento afetivo no abarcado pelo Direito de Famlia, lhe sendo atribudo, em
regra, apenas efeitos negativos. Vale dizer, a princpio, consta no ordenamento jurdico apenas normas
desestimuladoras da prtica do concubinato adulterino.

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