Comunicação Alienante da Vida
"Comunicação Alienante da Vida" - Arte: Helen Apolinário

Comunicação Alienante da Vida

 “Depressão é falta de Deus!”

“Quem manda sair com aquela roupa indecente? Estava querendo ser estuprada mesmo!”

“Não quer ter filhos para não estragar o corpo!”

“Você não dá de mama para o seu filho? Sabia que as fórmulas não são a mesma coisa que o leite materno?”

“Ah é? Ela fez isso com você? Bem feito! Eu te falei para não andar com aquela menina!”

“Que notas são essas aqui? Estou decepcionada com você!”

“Que menino preguiçoso! Se continuar assim não vai ser ninguém na vida!”

“Ingrata! Mimada! Nunca mais repita isso!”

“Cala a boca! É sempre assim! Você não sabe de nada garoto! Seu insuportável!”

“Não me interessa seus problemas pessoais! Você é contratado para cumprir seu horário e apresentar resultados!”

 

E a lista de comentários agressivos não acaba... procurei não entrar nos comentários com @’s e #’s. Mas o que a lista acima tem em comum? Comentários como estes sinalizam a violência cotidiana que perpetuamos inconscientemente.

Existem certas formas de linguagem e comunicação que bloqueiam a compaixão e favorecem um comportamento violento em relação aos outros e a nós mesmos. Para elas, Marshall Rosenberg utiliza a expressão “Comunicação Alienante da Vida” e citarei algumas delas aqui.

julgamento moralizador é uma forma de comunicação alienante. Veja que alguns dos comentários, listados no início deste texto, trazem julgamentos moralizadores, a partir daquilo que o emissor entende por certo e errado. O julgamento moralizador subentende uma natureza errada ou maligna nas pessoas que agem em desacordo com os seus valores (valores do emissor). Algumas formas de julgamento são: culpa; insulto; rotulação; depreciação; crítica e comparação.

A comunicação alienante da vida tanto se origina de sociedades baseadas na hierarquia ou dominação quanto sustenta essas sociedades. Onde quer que uma grande população se encontre controlada por um número pequeno de indivíduos para o benefício desses últimos, é do interesse dos reis, czares, nobres etc. que as massas sejam educadas de forma tal que a mentalidade delas se torne semelhante à de escravos. A linguagem do “errado”, o “deveria” e o “tenho de” é perfeitamente adequada a esse propósito: quanto mais as pessoas forem instruídas a pensar em termos de julgamentos moralizadores que implicam que algo é errado ou mau, mas elas serão treinadas a consultar instâncias exteriores — as autoridades — para saber a definição do que constitui o certo, o errado, o bom e o mau. Quando estamos em contato com nossos sentimentos e necessidades, nós, humanos, deixamos de ser bons escravos e lacaios." (Marshall B. Rosenberg)

Somos seres dotados de princípios e valores individuais, mas ao projetá-los no próximo, acabamos por aplicar a ele um julgamento moralizador.

“Para além das ideias de certo e errado, existe um campo. Eu me encontrarei com você lá”. (Poeta sufi Rumi)

A educação que recebemos seja na escola, em casa ou até mesmo através da nossa cultura, nos leva a julgarmos, ainda que inconscientemente o próximo como certo ou errado, a partir dos valores que carregamos. Buscamos dominar e convencer ao invés de se relacionar e compreender.

Quando utilizamos julgamentos moralizadores, colocamos o outro em uma posição de defensiva, o que o afasta de nós, ou, se ele aceitar, atender-nos por culpa, medo ou vergonha.

Outra forma de comunicação alienante da vida é a negação de responsabilidade. Não assumir nossas responsabilidades é uma forma de violência não só para com os outros, mas para conosco também. Esse tipo de linguagem que passa uma falsa impressão de que agimos de determinada forma por falta de escolha é como se disséssemos “precisei fazer assim porque recebi ordens”.

Em Eichmann em Jerusalém, livro que documenta o julgamento do oficial nazista Adolph Eichmann por crimes de guerra, Hannah Arendt conta que ele e seus colegas davam um nome à linguagem de negação de responsabilidade usada por eles. Chamavam-na de Amtssprache, que se poderia traduzir livremente como “linguagem de escritório”, ou “burocratês”. Por exemplo, se lhe perguntassem por que ele tomara certa atitude, a resposta poderia ser: “Tive de fazer isso”. Se lhe perguntassem por que “teve de fazer”, a resposta seria: “Ordens superiores”, “A política institucional era essa”, “Era o que mandava a lei”. (Marshall B. Rosenberg)

Um exemplo prático da negação de responsabilidade é quando atribuímos ao outro toda a responsabilidade pelo sucesso do relacionamento. Ou, quando usamos desculpas de que “tive que mentir a respeito do produto, pois meu chefe me colocou uma meta impossível”.

Ainda sobre comunicação alienante da vida temos a comparação. Comparações físicas já são suficientes o bastante para provocar tristeza, mas quando entramos no campo das realizações e conquistas, a tristeza pode se transformar em frustração.

Como já vimos, a comunicação alienante da vida pode ser vista como ferramenta de controle. Mas aqueles que dão voz aos seus sentimentos e necessidades podem deixar de serem escravos desse sistema.

“O que eu quero em minha vida é compaixão, um fluxo entre mim mesmo e os outros com base numa entrega mútua, do fundo do coração. ” (Marshall Rosenberg)

A comunicação não violenta é uma forma de linguagem que já existe há milhares de anos, utilizada por homens como Jesus Cristo, Martin Luther King, Dalai lama e Mahatma Gandhi. Mas, foi o psicólogo Marshall Rosenberg que a estruturou de uma forma que pudéssemos aprender com mais facilidade e aplicá-la nas mais diversas situações de nossa vida.

O objetivo da comunicação não violenta é possibilitar que as pessoas tenham um relacionamento baseado na sinceridade e empatia, resgatando o que há de mais legítimo nelas: seus sentimentos, necessidades e a capacidade de expressarem-se com sinceridade, ajudando ao próximo com real empatia.

Falaremos sobre essa estrutura no próximo artigo.

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