Sobre ser ateu agnóstico

Toda discussão filosófica é, antes de tudo, uma discussão semântica.

Bruno Oliveira
Revista Subjetiva

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A primeira coisa que acontece quando eu falo para as demais pessoas que eu sou um ateu agnóstico é uma série de perguntas sobre “o que é o agnosticismo” ou “como é possível ser ateu e agnóstico ao mesmo tempo”. Por muito tempo tive muita dificuldade em explicar estas coisas para as outras pessoas. Primeiro porque, naquele momento, ainda não era algo que eu tinha pleno domínio para poder explicar para alguém; e segundo, principalmente, porque a maioria das pessoas tem conceitos diferentes sobre o que é ser ateu e sobre o que é ser agnóstico.

[Imagem: Angelo Rigon]

Então, resolvi escrever este texto e elencar alguns dos principais questionamentos que as pessoas me fazem, e tentar esclarecer algumas das dúvidas que as pessoas tem sobre ser agnóstico (e ateu — tudo junto e misturado). Lembrando que essas são as minhas posições, não tenho a pretensão de falar em nome de todos os agnósticos — acredito que cada um traga suas próprias convicções e ideias sobre o que é ser um ateu agnóstico.

Breve definição de “ateu agnóstico”

A minha definição sobre o que é ser um ateu agnóstico é a seguinte:

eu divido as convicções em pelo menos duas dimensões, a dimensão do que você acredita e a dimensão do que você conhece

E quando falo de conhecimento, aqui eu me refiro a ideia de que conhecimento seria uma crença verdadeiramente justificada (evidência, lógica, etc). Em outras palavras, estamos falando sempre em termos do que você acredita (ex: teísta e ateísta) e do quão justificada é esta crença (ex: gnóstico ou agnóstico) — são duas dimensões totalmente complementares.

Em relação aquilo que você acredita, cada um, individualmente pela sua fé, pode acreditar em coisas diferentes. Há quem acredite em deuses, em extraterrestres, em Papai Noel, e em outras coisas mais. Em relação aquilo que você conhece, está relacionado com o contato que cada pessoa tem sobre o conhecimento, os fatos e evidências que se tem sobre aquilo. E as duas coisas são coexistentes. Eu posso acreditar em algo e saber que ele não faz sentido; ou não acreditar em algo, mesmo sabendo que existem certos conhecimentos de que aquilo é do jeito que é.

[Imagem: Quora] Os diferentes perfis entre acreditar e saber sobre algo

Por exemplo, eu não acredito no coelho da Páscoa e “sei” que ele não existe. Então eu sou gnóstico (tenho evidências do meu conhecimento) e “ateu” (não acredito) ao coelhinho da Páscoa. Ao mesmo tempo que alguém pode acreditar em Deus (teísta) e não ter certeza, em termos de conhecimento, se ele existe (agnóstico).

Quando eu digo que eu sou ateu agnóstico, significa que eu não acredito (não tenho fé) na existência de um ou mais deuses, ao mesmo tempo que as evidências e conhecimentos que temos a cerca de alguns desses deuses não me permite dizer, com certeza, se ele de fato existe ou até de dizer que ele de fato não existe. O que não significa que eu esteja em cima do muro, eu tenho convicção que Deus não existe — e provavelmente posso levar isso até o final da minha vida, mas tenho que ser honesto comigo mesmo, de saber que as evidências que eu tenho (até hoje) não são suficientes para dizer que ele existe ou que ele não existe. Se surgir novas evidências, posso reavaliar o meu conhecimento sobre a existência em Deus, mas o que eu tenho hoje é a crença de que ele não existe.

Piadas de um agnóstico [Imagem: Religião, filosofia]

As várias faces do agnosticismo

Vou tentar ilustrar aqui, alguns dos posicionamentos que eu mais vejo de quem se denomina agnóstico — não necessariamente ateu (vou utilizar os exemplos apresentados em um vídeo do Clarion de Laffalot). A ideia é mostrar a diversidade de pensamentos possíveis:

“Eu não acredito em nenhum Deus que me foi apresentado até hoje, mas pode ser que exista algum tipo de Deus” / “Eu não sei se existe Deus. Tenho dúvidas”

Essa é a posição de um agnóstico ateu e que está disposto a rever o seu posicionamento caso surja alguma evidência ou fato que afete sua fé e o seu conhecimento em relação a este Deus. No fundo, é a boa prática de um agnóstico que utiliza a ciência como uma das formas de interpretar o mundo. A partir do momento que surgir um novo conhecimento sobre a existência ou não de um Deus, o agnóstico se dispõe a se tornar gnóstico (teísta ou ateísta).

“Creio que a ciência nunca poderá concluir sobre a existência de Deus”

Aqui é um agnóstico pessimista, que parte, inclusive, das ideias do diálogo de Teeteto, de Platão. Na conversa, o matemático Teeteto fornece três definições: o conhecimento como percepção, o conhecimento como opinião verdadeira e o conhecimento como opinião verdadeira acompanhada de explicação. Todas as definições são refutadas por Sócrates. Para este agnóstico, a ciência é o único modo cético de tentar entender o conhecimento e se posicionar sobre determinada crença. Entretanto, a natureza pessimista o inclina a acreditar que a ciência não conseguirá (e talvez não deva) provar a existência (ou não) de Deus. Já abordei essa questão da visão cética da ciência em outro texto.

Ser agnóstico e se abraçar a valores céticos e científicos

Aqui vem a famosa ideia do “Deus Arte Moderna” — aquele Deus “diferentão”, que não se apega a nada, nem mesmo a uma religião, livre de dogmas, liturgia e preceitos. Aqui as pessoas acreditam em Deus apenas para fins de acalentamento e salvação, sem assumir qualquer ônus ou responsabilidade sobre essa crença.

Aqui estamos falando de teístas, que podem ser gnósticos ou agnósticos (já que aqui não fala sobre conhecer, apenas sobre crer). Para eles a religião é o grande problema, e Deus é uma ideia interessante. E quanto maior a identificação da pessoa com este Deus (em relação a desejos, forma de agir e até com características físicas) maior o engajamento desse teísta com a divindade. O Deus passa a ser a sua imagem e semelhança, e tanto faz se a pessoa tem conhecimento sobre a existência ou não desse Deus.

Enfim, a hipocrisia [Imagem: UFES]

“Eu não tô nem aí”

Esse caso não necessariamente representa um agnóstico, mas um ignóstico (explicarei isso em outro texto). Mas cabe aqui ressaltar que um agnóstico que, de fato, está sempre em busca do conhecimento dificilmente pensaria assim, porque ele entende o conceito humano de Deus (ele existindo ou não).

E existe um vídeo do Slow que conta bem esse conceito mundano de Deus. Imagine assim, houve um momento em que o ser humano começou a atribuir significado para as coisas. O mundo físico começou a habitar o mundo abstrato, e vice-versa. As mãos e os desenhos nas paredes faziam as pessoas lembrarem de momentos no passado e até das pessoas que colocaram as mãos ali (e eventualmente já não estavam mais com eles). Tudo passa a ter um significado individual e/ou coletivo para cada membro daquele grupo primitivo.

A descoberta da agricultura mudou o estilo de vida das pessoas e reorganizou o modelo social. A vida em sociedade passa a depender de fatores do clima e da natureza. Passa-se a olhar para o céu para tentar descobrir como as coisas iriam acontecer. As pessoas começaram sua jornada para ter um entendimento do mundo. A agricultura possibilitou que o homem nômade pudesse entender e prestar atenção nas coisas que ia acontecendo ao nosso redor. Mas entender os fenômenos da natureza foi um grande desafio. Além disso, para viver em grandes grupos foi necessário evoluir a forma de comunicação e as relações sociais. E para estes bons relacionamentos, é necessário a habilidade de identificar emoções.

Esse conhecimento adquirido era transmitido por estórias. E toda nova informação era associada ao conhecimento pré-adquirido. Um jeito de entender a natureza seria humanizá-la, a significação que é dado a natureza tornando-a humana e com emoções. Surgiam aí os primeiros deuses. Deuses serviram para tirar o ser humano da escuridão. Enquanto o mundo provocava medo nas pessoas, os deuses traziam esclarecimento e entendimento destes fenômenos (ainda que não verdadeiros) através de estórias que promoviam a coesão social e a valorização dos costumes. Os deuses passaram a ser a própria consolidação da cultura e dos anseios daquele povo. A religião conectou as pessoas.

Mas aí veio o iluminismo e revolução francesa, e uma miríade de ideias modernos, que colocou um ponto de que não é necessário uma religião para conectar e unificar um povo. A religião passou a compartilhar espaço com outras correntes, como a ideologia (capitalismo, socialismo, etc). O mundo deixou de ser preto e branco, e a diversidade de opiniões passou a ser a regra do dia. O Deus (ou qualquer outra coisa) passa a ser a representação de tudo o que é importante para uma pessoa. Não necessariamente aquele Deus, daquela forma, será importante para outras pessoas. O respeito a diversidade de opiniões é a grande frente de luta que possibilita a conexão atual de pessoas — qualquer outra coisa é apenas segregação.

Por isso, um agnóstico ateísta compreende o conceito e a necessidade de Deus nos dias atuais, e não adota necessariamente uma postura beligerante ou ignorante em relação ao assunto. Mas sim o de tentar entender, iluminar e esclarecer para as pessoas aquilo que eles estão sentindo.

Entendendo o conceito de Deus para os humanos [Canal do Slow]

Lembre-se esse é um texto que tenta apresentar parte do que eu penso sobre agnosticismo ateísta. Não é uma representação do pensamento de todos os agnósticos ateus, afinal não existe necessariamente um movimento bem definido ou um agrupamento dessas pessoas. No fundo, acho que um agnóstico ateísta é uma manifestação muito singular de cada indivíduo e podem divergir do que expus aqui — fiquem a vontade para manifestar outros pontos de vistas.

Os textos abaixo mostram um pouco sobre a minha agnóstico sobre algumas questões que algumas pessoas sempre acabam fazendo para um agnóstico ateísta:

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Bruno Oliveira
Revista Subjetiva

Auditor, escritor, leitor e flanador. Mestrando em TI, tropecei na bolsa de valores. Acredito nas estrelas, não nos astros. Resenho pessoas e o tempo presente.