Guia prático para desvalidar sentimentos alheios

Vivendo emocionalmente errado

Mariana Farinas
Psicologia mastigadinha

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Se você é humano e tem mais o que fazer do que maltratar os outros, esse guia não serve pra você. Mas se você está mais é querendo criar ressentimento, cansaço, distância e mal-estar, segue um guia prático de como desvalidar os sentimentos alheios.

Compreender alguém é, entre outras coisas, dar espaço para a maneira própria dessa pessoa viver uma situação ocupar o centro da conversa. Envolve dedicar-se a um outro e dar a ele o descanso de que não está sozinho nas angústias e comoções que vive. Ser compreendido, todos sabemos, é um alento.

Mas se você está ressentido com a falta de compreensão que teve na vida e não estiver querendo lidar com isso de maneira produtiva no momento, esse guia é pra você. Quem sabe você não acabe se tornando o xarope menos compreensivo do seu círculo de conhecidos.

1. Você é a pessoa mais importante

“Parabéns pela sua misteriosa habilidade de pegar algo que não é sobre você e fazê-la ser só sobre você”

Ateste sua importância reafirmando seus sentimentos ou seu lado da história e não abra mão deles para perceber o sentido do que o outro vive. Mostre que essa cidade é pequena demais para o que cada um sente e que existem apenas duas formas de sentir: a sua e a errada. Após ouvir o que o outro falou, reafirme não como coisas são para ele, mas como são para você. Quando ele estiver desanimado ou ofendido com sua desatenção continue como nada houvesse acontecido.

2. Sequestre o assunto com comparações ou queixas

“Uma pausa para festejar sua habilidade única de constantemente deslocar o centro do universo para seu próprio rabo”

Encontre algo paralelo ao que ele viveu, ocupe parte da conversa com isso e use a existência desse paralelo para se colocar como um especialista ou soberano do que ele sente. Além da comparação por paralelos, faça comparações com queixas que mostram que você é mais sofrido e merece mais atenção. Aproveite o momento em que o outro se abre para aproveitá-lo como aprendiz da sua sabedoria de vida ou como um depósito para seu lixo.

3. Ofereça comentários e ajudas inúteis

Não deixe o outro terminar de falar, precipite-se em enfiar um comentário ou solução inúteis na conversa. Se necessário, porte-se como uma autoridade no assunto para se fazer ouvir. Quanto mais precipitado você for, menor a visão dos pontos chaves do que o outro está vivendo e portanto, menos pertinentes serão seus comentários. Faça dessa conversa uma espécie de olimpíada em que ele deve desviar agilmente das inutilidades que você fala.

4. Se atenha a detalhes inúteis

Não tente entender o que é essencial para a pessoa, se atenha a pormenores infrutíferos. O importante é fazer com que o outro se perca em um labirinto de detalhes inúteis levando consigo aquilo que ele queria te dizer. Você pode, alternativamente, usar os detalhes para distorcer o que é dito em um absurdo, uma infantilidade ou simplesmente algo sem sentido. Um pedido de compreensão é uma batalha lógica em que o outro tem que ganhar se quiser ser ouvido.

5. Roube a cena se demonstrando excessivamente afetado

Deixe patente sua ansiedade, excitação, culpa ou sua cara quase transfigurada por flashbacks de traumas passados. Demonstre tanta emoção que o outro emudece para dar passagem ao seu mal-estar – ou à sua enorme alegria e realização pessoal, se a história for feliz. Você também pode fazer o dramático e se mostrar impactado pelo absurdo, pelo admirável ou pelo impossível do que o outro fala. Use o pedido de colo da outra pessoa como um palco para exibir sua rica capacidade expressiva ouvindo dramas reais.

6. Disseque tudo com o bisturi de uma explicação

Você pode fazer explicações do porque o outro não deveria se sentir como se sente. Uma alternativa é inicialmente validar o sentimento para em seguida postular uma causa que a pessoa não reconhece ou que a ofenda– é excesso de sensibilidade, é seu problema de infância, é sua TPM, é sua falta de coerência, é porque você tem problema mental e assim por diante.

7. Mantenha o tom dissonante

Esteja alheio ao estado mental do outro. Ignore nuances expressivas do seu interlocutor como tom de voz, expressões faciais e vocabulário. Abuse da dissonância: se te contam algo profundo, adote um tom de quem conversa animadamente com um caixa de supermercado; mostre-se mais distraído a medida em que o outro se mostra mais entusiasmado ou vulnerável; adote um tom grave ao ouvir algo alegre ou um tom persecutório quando lhe contam sobre alguma aquisição. Mostre-se alheio.

8. Interprete tudo de forma literal

A realidade é um plano chapado onde cada coisa tem só um significado possível: se quem está na sua frente chora, descarte a possibilidade de comoção, alivio ou alegria, só pode de ser tristeza; se ela ri, só pode ser alegria; se te conta um problema, só pode querer que você de uma solução. Descontextualize o que é dito, não relativize, achate todas as nuances.

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