Desvendando o agouro

Iago Ferraz Wild
grutadobardo
Published in
6 min readApr 16, 2020

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Culturalmente estamos familiarizados com expressões como: urubu é ave de mau agouro; o pio da coruja é agouro de morte; galo cantando de noite é mau agouro. Tais expressões são geralmente oriundas da sabedoria popular, assim, passam de geração em geração através de lendas, relatos e outros elementos folclóricos.

I — O agouro
O agouro é um presságio. Diferente de outros sistemas divinatórios mais comuns, o agouro não envolve o uso de oráculos (como tarô, runas, cristais) e muitas vezes não necessita de nossa técnica e poder (como vidência), mas sim de nossa percepção acerca de eventos espontâneos.

II — Eventos espontâneos
Os eventos espontâneos até podem se relacionar com outros sistemas divinatórios (por exemplo: o vento carrega uma carta de tarot ou baralho até sua cama), mas isso não é necessário pois também ocorrem com diversos outros elementos e situações.
Entendendo que o mundo não para, é óbvio que eventos espontâneos acontecem o tempo todo. Então, qualquer coisa seria sempre vista como presságio? Não necessariamente. Entende-se que um evento é necessariamente um agouro quando ele é uma situação muito específica, ou uma situação que tem um significado premonitório enraizado na mente da pessoa. Talvez, a coruja cantar sobre o teto da casa não anuncie morte na família para um qualquer, mas para a senhora que aprendeu e marcou esse evento como um presságio, o anúncio pode ser real. Os significados ou ocorrência dos agouros por tanto, não são retratados como universais, mas variam dentro dos sistemas de crença pessoais e culturais que compõem.

Para além da manifestação do agouro, a percepção dele depende do reconhecimento e interpretação do mesmo. Através de sensações, mediunidade, intuição e etc., o sujeito diferenciará se certo evento é um agouro ou não. Além disso, o processo intuitivo também influi na interpretação. Nem sempre é o folclore ou a cultura que dá significado ao evento, as vezes é uma percepção pessoa. As vezes, com toda sabedoria popular apontando que determinado evento é um agouro de morte, o sujeito pode sentir aquilo como um presságio de amor — e as vezes é a sua percepção que importa. ele foi um sinal, intuitivamente.

Alternativamente, é deduzido que algum evento é um agouro quando o sujeti já está esperando ou procurando um sinal, ou praticando alguma arte mântica. De qualquer forma, talvez tendo videntes e pessoas com intuição afiada como exceções, comumente agouros são possibilidades de presságios, não havendo segura certeza se o evento foi de fato um presságio ou não. Assim, entende-se que um evento pode ser um agouro e não que necessariamente seja.
A arte de interpretação dos eventos é parecida com o que estamos acostumados quanto à interpretação dos sonhos. Quando se objetiva investigar o significado de um sonho, observa-se os elementos, a composição e o contexto. A partir daí, o sujeito busca interpretar o simbolismo ou a ‘energia’ de tais coisas, seja com referência em um simbolismo popular (como um dicionário de sonhos) ou buscando o significado pessoal que atribui.

III- Alguns tipos de agouro
Existem inúmeros tipos de agouro, afinal, acontecem inúmeros tipos de eventos espontâneos e aleatórios em uma realidade dinâmica como a nossa. No entanto, alguns recebem uma maior atenção e são mais difundidos. Não aprofundarei a interpretação dos agouros, deixo com o leitor o incentivo de decifrar as artes que o chamarem a atenção.

Capnomancia: Interpretação da fumaça. Na antiguidade difundiam-se técnicas especificas, mas a arte da capnomancia perpetuou-se sendo usada em diversos outros métodos. Por exemplo: a queima de ervas, incensos, pelos, penas ou outros materiais; o uso de cigarros e cachimbos; obervação de uma fogueira ou incêndio e etc. Tudo com o objetivo de procurar na fumaça a formação de imagens e símbolos que respondam algo ou revelem algo sobre o futuro.

Hidromancia: Interpretação de aspectos da água, como movimento, cor, ondulação ou desenhos formados. Aliada ao uso da outra visão, a hidromancia poderia revelar imagens e cenas na água, funcionando como as famosas bolas de cristal.

Aeromancia: Interpretação de aspectos atmosféricos, como o formato das nuvens, clima, arco-íris e outros fenômenos meteorológicos. Exemplo: deparar-se com uma nuvem em forma de coração, pressagiando assuntos relacionados ao amor.
Aeromancia também envolve meteoromancia (a interpretação de características dos meteoros, estrelas cadentes e outros corpos celestes) e a ceraunosmancia (observação de sinais em céus tempestuosos, envolvendo principalmente raios, trovões e relâmpagos).

Apantomancia: Interpretação do encontro com objetos ou, principalmente, animais. Exemplo: deparar-se com um grilo, que é um presságio de sorte.

Austromancia ou Anemomancia: Interpretação da direção do vento ou algo relacionado ao vento.

Onintomancia: Interpretação do voo ou canto de aves; significado da ave; encontro, sonho ou visão de uma ave; encontro de penas e etc.

Piromancia: Interpretação de aspectos do fogo, formação de imagens nas chamas ou do próprio surgimento de uma chama.

Geomancia: Interpretação de aspectos da terra ou areia, bem como o proposital lançamento de terra/areia/pedregulhos sobre uma superfície para posteriormente analisar os padrões. Incluem-se cristais, pedras ou rochas também.

Criomancia: Interpretação de aspectos do gelo e de baixas temperaturas.

Quiromancia: Interpretação dos aspectos das mãos, principalmente as linhas e os montes.

Teomancia: Receber potencial de adivinhação por inspiração divina.

Teimancia: Interpretação através da análise dos padrões deixados por folhas do chá ou borra de café.

Outras formas: Essas são apenas algumas artes mânticas que podem estar associadas aos eventos espontâneos dos agouros, embora a maioria delas possa ser praticada intencionalmente. Também foram e são utilizados e interpretados diversos elemento, como gravetos, ossos, sangue, espelhos, cores e etc.

IV — Interpretando agouros
A sabedoria popular nos tempos modernos, apenas repete aquilo que foi aprendido sem considerar muitas vezes a dinâmica e filosofia por trás das crendices. A relação com os agouros sempre foi além de simplesmente ouvir ou pio da coruja e comentar que a morte de alguém se aproxima na mesa de jantar. Na verdade, o agouro interage com o sujeito e vice-versa, pois seriam eles presentes dos Deuses, muitas vezes com certa utilidade caso o sujeito pense, reflita, interaja e atue.

  • Considerar o agouro e agir sobre a possibilidade.

Um evento é uma possibilidade de agouro ou presságio e não necessariamente um. Portanto, o sentimento de que algo é um sinal deveria ser registrado e analisado, para considerar-se os diferentes cenários: ser um agouro; não ser um agouro; ser um agouro com resultado esperado; ser um agouro com resultado inesperado.

As vezes os agouros só foram percebidos após a o presságio já ter se concretizado, de forma em que teria sido desperdiçada a oportunidade de evitar algo ruim ou aproveitar uma boa oportunidade.

  • Considerar seu próprio simbolismo e significação das coisas.

O sujeito não deveria ignorar o significado e simbolismo pessoal que atribui a alguma coisa. O sinal poderia sim independer de suas atribuições pessoais, revelando significados já marcados e reproduzidos pela sabedoria popular; Porém, poderia muito comumente expressar significados unicamente da concepção do individuo ou de sua intuição momentânea sobre o evento.

V — Agouro além do sobrenatural

Também é visto como agouro as técnicas tradicionais e populares de previsão do tempo através de observação da natureza e do comportamento de animais. Alternativamente, o agouro também fora associado à observação de sintomas que anunciariam uma doença, fatores que anunciariam colheitas ruins ou a morte do gado (como o clima), entre outros usos, principalmente de realidade agrícola e rural. No Brasil, muitas pessoas ainda manifestam esses saberes, seja os de ordem espiritual como os de ordem, digamos, natural. Isso é reflexo e manutenção de antigas sabedorias e antigos povos, que mantem um pouco de sua vida e existência nos dias atuais cada vez que uma senhora se arrepia quando uma coruja canta sobre o teto da casa.

Texto de Iago Ferraz Wild (Puck) — Gruta do Bardo. 2014 (Adaptado em 2020).

Fonte da imagem: http://remacle.org/bloodwolf/faulx/divinatione/

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