Cemitério de Consoles | Philips CD-i (1991): ruim até em ser ruim

O sistema que criou versões assustadoramente mal feitas de The Legend of Zelda e Super Mario, tornando-se um ícone dos videogames fracos.

Rafael Smeers
Aventurine Brasil

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Cemitério de Consoles é uma marca Aventurine Brasil. O uso sem permissão é proibido. | Philips CD-i Logo © by Philips | Gaming Room by HardwareHeaven

Chegamos ao sexto texto da série Cemitério de Consoles e o sexto console a ser abordado é o Philips CD-i, o reprodutor de discos compactos interativos da Philips. Apesar de também usar CDs, o sistema cuidava um pouco mais de seu aspecto videogame do que seu concorrente, o Commodore CDTV.

Lançado em dezembro de 1991, o Philips CD-i foi criado com o intuito de oferecer ao usuário mais funcionalidades do que um audio CD player ou console por um preço menor do que o de um computador pessoal (entendeu, CDTV?!). O que poucos imaginavam é que o sistema ganharia destaque em pleno século 21, com a disseminação de memes que ressaltam as animações de baixíssima qualidade oferecidas por alguns títulos do sistema.

Este comercial é provavelmente o mais centrado a aparecer no Cemitério de Consoles

Inovador e persistente

O Philips CD-i foi resultado de uma colaboração entre a Philips, Sony e a Magnavox (companhia eletrônica criadora do Odyssey), que desde 1974 havia se tornado uma subsidiária da Philips. Apesar do sistema em si só ter sido lançado em 1991, podemos utilizar como ponto inicial o desenvolvimento do formato CD-i (que seria utilizado pelo sistema em vez de CD-ROM) em 1984.

O formato (também conhecido como Green Book) exigia um leitor especial, que possuía um microprocessador responsável por capacitar o lado interativo da mídia (por isso denominado de CD-i, Compact Disc-Interactive). Anunciado ao público em 1986, o formato CD-i manteve-se uma propriedade da Philips (só podia ser utilizado após a obtenção de licença) até 1994, quando a companhia decidiu torná-lo gratuito.

Ao longo do tempo, vários aparelhos reprodutores do formato foram criados por diversas marcas e entre eles, o Philips CD-i era logicamente a alternativa da Philips. O sistema podia ser conectado à TV, foi inicialmente comercializado em 1991 por 1,000 dólares e era capaz de reproduzir não só discos CD-i, mas CDs de áudio, CD+G, CDs de Karaokê e CDs de foto e vídeo (VCDs).

Philips CD-i 220

O aparelho também era um dos primeiros a oferecer recursos de Internet para o fator videogame, incluindo online multiplayer, navegação na internet e downloads. Isso era possível graças ao uso de uma peça adicional de hardware (que atuava como um modem) e um disco “CD-Online” (também conhecido por Web-i), disponibilizado pela Philips no Reino Unido em 1995 por 150 dólares.

A biblioteca de software do Philips CD-i era formada principalmente por referências educacionais multimídia, como tours virtuais por museus e enciclopédias interativas, um tanto quanto populares na época. Para evitar competir com os outros videogames da época, o CD-i dizia ser um “produto de entretenimento familiar” e por isso mesmo os games lançados para o sistema tratavam-se de aproximações mais casuais, principalmente jogos de tabuleiro.

O sistema contou não só com inúmeros periféricos e vários controles diferentes (cada um criado para uma função específica) durante o seu tempo de vida, mas com um grande número de modelos. Em geral, os controles do Philips CD-i eram intensamente criticados e basta olhar para a maioria deles para entender o motivo.

Acredite se quiser: os dois primeiros controles também eram usados para jogar

Além dos modelos para usuários finais, existiam modelos profissionais e de desenvolvimento produzidos por revendedoras que adicionavam recursos (por um custo adicional, é claro) conforme desejado. Houveram seis séries, sendo elas:

200 series: Criada para consumo geral e disponível na maior parte das revendedoras de eletrônicos pelo mundo;
300 series: Modelos mais portáteis e criados para o mercado profissional. Não foram comercializados aos consumidores finais. Usados principalmente como uma plataforma de apresentações comerciais;
400 series: Modelos mais finos e mais financeiramente acessíveis, comercializado para fins educacionais e como videogame;
500 series: Essencialmente igual à série 400, mas com um cartucho de vídeo digital (que permite a reprodução de full motion videos) já instalado;
600 series: Série dedicada ao desenvolvimento de software e aplicações profissionais. Apresentava funções de debug e boa parte dos periféricos disponíveis no mercado;
700 series: Consiste basicamente do modelo 740, o mais avançado de todos e comercializado de forma limitada.

Comercial do Philips CD-i 450

Através do uso de “infomerciais” (comerciais acompanhados de números de telefone), a Philips comercializou o aparelho extensivamente, mas esforço algum foi suficiente. Em 1994 as vendas do CD-i já estavam diminuindo significativamente, até que em 1998 a produção foi descontinuada. Um ano antes, a subsidiária responsável pela parte de games foi vendida para a Infogrames (compradora da Atari).

Em um ritmo muito mais lento, softwares continuaram a ser desenvolvidos na Europa (onde o sistema ainda tinha certa popularidade) inclusive pela Philips. Como a ideia de “sistema familiar” já havia sido amplamente explorada e conquistada pelos concorrentes, a Philips decidiu passar a posicionar (com certo sucesso) o aparelho como uma alternativa para “totens” e multimídia industrial (posição hoje ocasionalmente assumida por sistemas mais baratos como o Raspberry Pi).

O desperdício de uma oportunidade e a amargura do arrependimento

Assim como o Commodore CDTV, a biblioteca de jogos do Philips CD-i era composta por gêneros específicos, e não era muito extensa (193 títulos no total). Além dos jogos de tabuleiro citados anteriormente, predominavam softwares educativos e games baseados em TV shows, como por exemplo Jeopardy! e Name That Tune. O gênero adventure também tinha espaço significativo no console.

A função de videogame do Philips CD-i era cuidada por uma subsidiária da Philips, a Philips Media BV. Apesar da Philips ter encorajado o desenvolvimento de games para o sistema em 1993 de diversas formas, o sistema em geral foi derrotado por computadores pessoais baratos, e não tinha jogos tão interessantes quanto as outras opções do mercado.

O serviço CD-Online era barato (um terço do custo que se tinha com a função em computadores pessoais) e amigável ao usuário, mas informações como jogos salvos, preferências e high scores eram guardados na memória RAM (ou seja, temporariamente) por limitações de hardware. Quem já estava acostumado a utilizar serviços de internet em computadores pessoais podia acabar frustrado com algumas diferenças.

Não existem muitos vídeos e imagens sobre o CD-Online, então fique com o TMV Mad Dog McCree, uma verdadeira pérola do Philips CD-i que conta com uma atuação unicamente emocionante

E falando em limitações de hardware, o Philips CD-i também era muito underpowered (tinha um desempenho baixo) em comparação aos outros consoles da época, um dos motivos pelos quais o sistema evitava nomear-se um console e que o levaram ao fracasso comercial. Ironicamente, mesmo quando o sistema contava com jogos de franquias de nome, a oportunidade era desperdiçada.

Os primeiros jogos do CD-i incluíram títulos relacionados a franquias populares da Nintendo (como Super Mario e The Legend of Zelda), apesar de não terem sido desenvolvidos pela Nintendo em si. Os títulos foram resultado de um acordo da Philips com a Nintendo, onde ficava estabelecido a contribuição da Philips no desenvolvimento de um “upgrade CD-ROM” para o Super Nintendo em troca do uso de franquias registradas da Nintendo.

Inicialmente, o “upgrade CD-ROM” para o Super Nintendo estava sendo desenvolvido através de uma parceria da Nintendo com a Sony (antes mesmo do lançamento do PlayStation 1), que chegou até a resultar em um protótipo, o SNES-CD. Porém, a parceria foi interrompida por desentendimentos entre as duas desenvolvedoras e como visto anteriormente, a Philips passou a ser a responsável pelo projeto.

Suposto protótipo do SNES-CD, que seria na verdade uma nova versão do SNES nomeada de PlayStation

O “drive CD-ROM” para o SNES nunca foi lançado, e a Philips ainda assim estava contratualmente permitida a fazer uso de personagens da Nintendo. É mais do que seguro citarmos que a Nintendo guarda certa frustração, pois Hotel Mario, Link: The Faces of Evil, Zelda: The Wand of Gamelon e Zelda’s Adventure são jogos a se esconder, com animações bizarras e diálogos que se tornaram piadas na internet.

“Oh boy! I’m so hungry I could eat an Octorok!”

Ao menos memorável

Estima-se que o Philips CD-i tenha resultado em um prejuízo de um bilhão de dólares para a Philips no mercado americano. Mesmo com divulgação agressiva, o futuro do sistema era incerto e assim como o Commodore CDTV, não se tratava de uma plataforma interessante para jogadores assíduos.

Até mesmo o 3DO (lançado em 1993) era uma opção melhor. A variedade de títulos do Philips CD-i era ridiculamente baixa, e assim como citado em uma análise da revista Next Generation, os full motion videos eram o seu único diferencial.

Next Generation: “A unidade não se destaca em praticamente nada além de FMVs, e isso somente com a adição do cartucho de vídeo digital no valor de 200 dólares.”

Além disso, a revista também citou que o sistema já estava morto antes mesmo de ser descontinuado, utilizando como justificativa o fato de que o CD-i nem mesmo estava presente nos estandes da Philips em eventos tecnologia. Além dos controles, os gráficos do console também foram amplamente criticados e até mesmo o Bill Gates disse “se preocupar” com a ambição do CD-i tanto no mercado de videogames quanto de computadores pessoais. Mais à frente, Bill Gates adicionou:

Bill Gates: “O Philips CD-i foi um dispositivo vítima de dois argumentos. Era tanto um videogame terrível, quanto um computador pessoal terrível.”

No sistema, se algo não era criticado, era motivo para piada. Ainda que o Philips CD-i se encaixe no dizer “Falem bem ou falem mal, contanto que falem de mim”, trata-se de um pesadelo comercial. Entre os fatores que levaram o sistema ao fracasso, podemos destacar:

→ Preço muito alto para o hardware entregado;
→ Sistema não se destacava como computador pessoal e nem como videogame;
→ Controles inadequados;
→ Divulgação excessiva até demais;
→ Títulos simplórios e desinteressantes em comparação à concorrência;
→ Mercado saturado de “computadores familiares”;
→ Alternativa desinteressante diante de computadores de baixo custo.

No próximo texto do Cemitério de Consoles falaremos sobre o 3DO Interactive Multiplayer, o console da 3DO Company que seria o primeiro videogame verdadeiramente 32-bits do mundo. Curta a página do Aventurine Brasil no Facebook e fique de olho em nossos próximos textos, a partir de agora na era dos gráficos tridimensionais.

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Rafael Smeers
Aventurine Brasil

Organic Marketing, Neuromarketing & Game Journalism/Localization | MTB 309683