Por que é tão bom abraçar? Explicação vai do útero à arte e reflete sobre a falta do ato na pandemia

No Dia Nacional do Abraço, celebrado nesta segunda-feira (22), especialistas situam que a falta do gesto no começo da vida pode causar prejuízos psíquicos irreversíveis

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Para psicóloga, o abraço é um gesto existencial, uma afirmação
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Demonstração de afeto ou amizade, união de coisas ou pessoas, fusão. Abraçar já começa agradável no dicionário. Esse enlace de braços e sentimentos, não à toa, tem data própria.

Nesta segunda-feira (22), Dia Nacional do Abraço, profissionais explicam: por que é tão bom abraçar? Existem outras formas de fazer isso além do convencional? O que o hiato de dois anos sem o gesto, devido à pandemia de Covid-19, fez em nós?

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A resposta está onde tudo começa: no útero. Antes de virmos ao mundo, passamos nove meses envoltos num abraço, no aconchego de um contato contínuo. “Em nosso desenvolvimento, surge um ‘eu psíquico’ apenas se estivermos recebendo cuidados, dentre eles o colo, os braços, o aconchego, o embalo para nossos incômodos”.

A ideia é sustentada pela psicóloga e psicoterapeuta Gueira Vilhena. Segundo ela, quando abraçamos, retomamos uma memória corporal e emocional desta sensação conhecida. É nossa primeira experiência sensorial, a de estarmos perto, sermos protegidos, termos alguém ali conosco nos auxiliando em algo tão primordial: o existir. 

Legenda: Ao trocar um abraço, somos incentivados de forma a comunicar nosso cérebro sensações de segurança e pertencimento
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“O abraço, assim, é um gesto existencial, uma afirmação. Somos seres sociais, não existimos sozinhos. O Eu só existe porque há o Tu. Abraçar é uma forma simbólica de dizer: ‘Nós existimos juntos’ ou ‘Estou aqui com você’, seja na alegria, na dor, nas comemorações, nas derrotas, nos lutos ou nas celebrações da vida”.

É coisa de pele também

O maior órgão do corpo humano tem tudo a ver com isso. A pele possui uma rede de receptores especializados em captar estímulos táteis. Ao receber ou dar um abraço, somos incentivados de forma a comunicar nosso cérebro sensações de segurança e pertencimento.

Além disso, numa perspectiva biológica ou física e também emocional, abraçar acalma, cria conexão, ameniza respostas ao estresse, traz conforto, promove vínculos e estreita laços. Quando estamos juntos em braços, processamos essa conexão física por meio do sistema nervoso em forma de recompensa, e nossa mente apreende sensações de prazer e alegria. 

“Os níveis de ocitocina (conhecida como hormônio do amor) podem ser aumentados com o abraço; já os níveis de hormônios relacionados ao estresse podem ser diminuídos. Portanto, abraçar é estruturante na formação do ser humano em desenvolvimento, e traz muitos benefícios à saúde física e psíquica. Na verdade, traz benefícios à humanidade”.

Legenda: Falta de abraço na infância pode causar prejuízos psíquicos irreversíveis
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Componentes que deixamos de receber ao longo dos dois últimos anos. A pandemia de Covid-19 convocou a necessidade de isolamento social e, portanto, nada de contato físico. E aí? Sobrou para outras formas de prover abraço. A tecnologia foi o principal palco para declarações em voz, palavras afetuosas e presenças suaves. Carinhos emocionais.

Mas há que se considerar essa privação do abraço – ou melhor, do toque de maneira geral. É algo que não está ligado apenas à pandemia. Quando acontece nos primeiros anos de vida, pode causar prejuízos psíquicos irreversíveis, principalmente se somado à falta de estímulos relacionados ao apego. 

Dificuldades na fala, na aprendizagem, na autopercepção, atrasos no desenvolvimento físico, cognitivo e até no desenvolvimento da personalidade podem ser causados por essa ausência. Já a privação de toque físico em adultos – somado à privação de interações e trocas sociais afetivas – pode prejudicar o bem-estar e intensificar estados de ansiedade e depressão.

Abraçar de várias formas

Gueira Vilhena ainda levanta outro ponto importante: o que pode ser muito bom para alguns, para outros pode não ser. O abraço também se enquadra nisso. Algumas pessoas, não por preferência, mas por questões neurodivergentes, são fisiologicamente afetadas pelo toque e sentem-se desconfortáveis. 

“Portanto, cabe aqui pensarmos que o abraço pode ser com nossos braços, mas também com palavras, gestos e capacidade de nos conectarmos com o outro, naquilo que ele precisa, respeitando sua forma de ser. Então, nada de abraços forçados só para seguir convenções sociais. Abraçamos também com nossa empatia e intenção, com nossa capacidade télica”.

Legenda: "Abraçamos também com nossa empatia e intenção, com nossa capacidade télica”, defende estudiosa
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Não à toa, o psicanalista inglês John Bowlby (1907-1990) desenvolveu a chamada Teoria do Apego. Para ele, os seres humanos tendem a buscar de forma instintiva relações que poderiam criar vínculos úteis para si próprio e para o outro. 

Tais pesquisas são importantíssimas para compreensão do comportamento de apego na vida humana, assim como para compreensão de comprometimentos psíquicos como a ansiedade, depressão e psicopatia, já que eles podem estar relacionados a formas adoecidas de apego.

Abraço e terapia: temos

O abraço pode ser incorporado também à Arteterapia, e de diversas maneiras. O resultado são benefícios terapêuticos significativos. De acordo com a psicóloga e multiartista Lisiane Forte, ele estabelece melhor conexão emocional, despertando emoções e memórias mais profundas. 

“Ao integrar o abraço em atividades artísticas como movimento corporal, dança e escultura, vejo uma reconexão com o corpo e uma melhor expressão da relação com o toque e a intimidade. É importante adaptar o uso do abraço de acordo com o contexto e as necessidades individuais de cada pessoa”, salienta a estudiosa.

Legenda: Limites e ambiente seguro são imprescindíveis para a prática da Arteterapia
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Tanto é que, na lida tanto na Psicologia quanto na Arteterapia, Lisiane sempre considera a avaliação e o consentimento do cliente ao trabalhar com o abraço. Estabelece limites e um ambiente seguro. Ela integra o gesto às atividades artísticas e respeita a sensibilidade individual de cada um. 

“Após a atividade com abraço, convido o cliente a refletir e processar a experiência vivida. Faço avaliações contínuas do progresso terapêutico, adaptando as atividades conforme necessário. Essa é a prática em consultório”.

Agora, após dois anos de restrições ao ato, o retorno traz novo fôlego para o organismo e o espírito das pessoas. Não sem motivo, o apelo de Lisiane: “Mais do que nunca, temos a oportunidade de se reconectar, compartilhar afeto e fortalecer os seus relacionamentos.

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